O Concílio de Jerusalém

Atos capítulo 15 apresenta a primeira controvérsia de grande relevância na igreja cristã, e caso não fosse resolvida urgentemente aumentaria a medida que o cristianismo avançasse além das fronteiras da Palestina. Os primeiros cristãos eram judeus e várias práticas das quais estavam habituados foram conservadas. Muitos mantinham ainda o preconceito em relação as demais nações, para eles a entrada dos gentios na igreja cristã sem adotar os costumes judaicos e as orientações divinas presentes na Torah (Lei de Moisés) em sua totalidade, sobretudo as cerimoniais, causaria transtornos e instabilidade no cristianismo. Então, alguns passaram a exigir que os cristãos gentios aplicassem o estilo de vida e as leis específicas do judaísmo, como por exemplo, a lei da circuncisão. Eles acreditavam que tais atitudes, além de estarem relacionadas com salvação (Atos 15:1), preservariam a integridade da igreja primitiva.

As reivindicações dos judaizantes em impor todas as normas precritas na Lei de Moisés condenavam diretamente o trabalho que Paulo e Barnabé faziam em favor dos gentios (Atos 13:44-52). Estes últimos proclamavam a salvação por meio da fé em Cristo sem as exigências defendidas pelos fariseus convertidos ao cristianismo (Atos 15:5). Esta controvérsia gerou o debate sobre o vínculo dos cristãos com a lei mosaica. Este era o principal problema a ser resolvido no Concílio de Jerusalém.

JUDEUS E GENTIOS

A igreja de Antioquia temendo que o assunto da circuncisão resultasse em divisão entre seus membros, enviou a Jerusalém Paulo e Barnabé a fim de resolvessem a questão perante os apóstolos e anciãos (Atos 15:1-2). E, na presença destes, eles relataram os sucessos do ministério entre os gentios e os atritos doutrinários ocasionados pelos judaizantes (Atos 15:4-6).

Além da circuncisão havia outros assuntos conflitantes envolvendo judeus e gentios, como o consumo de carne sacrificada aos ídolos. Muitos dos gentios convertidos viviam entre pessoas que faziam frequentes sacrifícios e ofertas aos deuses pagãos, e os sacerdotes destes cultos comercializavam essas ofertas. Isso ocasionava nos judeus receio de que os gentios cristãos levassem descrédito a igreja ao comprar aquilo que tinha sido sacrificado a esses ídolos; o que de certa forma seria uma aprovação de costumes idólatras.

Ademais, os gentios estavam acostumados a comer a carne de animais estrangulados, e usavam com frequência o sangue desses no preparo do alimento. Diferentemente, os judeus foram instruídos por Deus a retirar e descartar o sangue do animal destinado à alimentação, caso contrário não seria adequado para o consumo. Portanto, se um judeu se assentassem à mesa para uma refeição preparada por um gentio, ele se consideraria ofendido e ultrajado.

Outra questão envolvia a promiscuidade. Os gentios (especialmente os gregos) eram extremamente licenciosos, e havia o perigo de que alguns fizessem uma profissão de fé cristã sem renunciar as suas más atitudes. Assim, os judeus cristãos consideravam que a circuncisão e demais normas da lei fossem impostas aos conversos gentios como um teste de sua sinceridade e devoção.

A LEI DE MOISÉS E OS GENTIOS

“Que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes.” (Atos 15:29-30 cf Atos 21:25).

Diante desses conflitos, o concílio decidiu que os gentios deveriam evitar essas práticas e serem alertados de que a obrigatoriedade da circuncisão não tinha o consentimento dos apóstolos (cf I Coríntios 7:18-19). Não houve orientação para que os cristãos (principalmente os gentios) descumprissem inteiramente a Lei de Moisés. Observa-se inclusive que, dentre as quatro proibições enfatizadas, duas (idolatria e promiscuidade) estão ligadas diretamente aos preceitos das “duas tábuas de pedra” (segundo e sétimo mandamentos) escritos por Deus e posteriormente transcritos para a Lei ou Livro de Moisés(a). As demais proibições estão vinculadas a preceitos éticos e salutar, também encontradas na Lei de Moisés.1

Deste modo, nota-se claramente que o Concílio de Jerusalém não revogou esta lei, mas, determinou as suas regras que não eram mais aplicadas na Nova Aliança, como por exemplo a que orientava a circuncisão. Na Lei de Moisés existem normas direcionadas especificamente aos judeus, assim como há àquelas destinadas a toda humanidade. Existem ainda preceitos cerimoniais vinculados diretamente a Cristo e Seu sacrifício na Cruz, e que chegaram ao fim devido ao cumprimento de suas funções (Hebreus capítulo 9).

“JUGO INSUPORTÁVEL”

Quando Pedro disse na reunião: “Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós?” (Atos 15:10), ele não estava declarando que a lei em si era insuportável e que não era mais necessária. Por acaso Deus estabeleceria uma lei intolerável e impossível de ser obedecida pelo homem, e em seguida, o alertaria das severas punições caso não a cumprisse?

O jugo referido por Pedro corresponde ao conjunto cerimonial da Lei de Moisés e as penalidades quando transgredidas. Deus não criou originalmente os requisitos dessa lei para que fossem pesados e desagradáveis. A lei tornou-se um jugo insuportável porque os judeus perderam o verdadeiro propósito dela e a transformaram numa rotina mecanizada na qual tentavam obter a salvação (Romanos 9:30-33). Além disso, os rabinos criaram diversas regras com base em suas próprias exigências (Mateus 23:4-5 cf Marcos 7:1-13) e as vincularam a lei. Idealizaram impedir que seus mandamentos fossem transgredidos, assim as cerimônias da Lei de Moisés tinham se tornado um “julgo opressivo e insuportável” (Lucas 11:46), e isso contrastava sobremaneira com o “julgo suave” de Jesus Cristo (Mateus 11:28-30 cf Gálatas 5:1).

“Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas essenciais: que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas (…)” (Atos 15:28-29)

O Concílio de Jerusalém redigiu quatro proibições específicas e uma disposição geral de “não impor maior encargo” aos cristãos gentios que os liberavam da obrigação de cumprir a circuncisão e outros regimentos cerimoniais pertencentes a Lei de Moisés. Os procedimentos civis e culturais estritamente judaicos não deveriam ser de igual modo exigidos. A intenção de Deus era que a igreja ficasse livre da liturgia cerimonial da Antiga Aliança, e não da conduta de vida moral e dos princípios éticos ensinados na Lei de Moisés, sobretudo aqueles transmitidos pelos Dez Mandamentos.

Os pontos escolhidos destacaram as coisas nas quais um gentio convertido tinha maiores probabilidades de errar devido a cultura que herdara e que, poderiam ser tratas com indiferença por ele. Porém, isso não significa que outros deveres da lei fossem desnecessários, idéias infelizmente sustentada por muitos cristãos da atualidade. Vários preceitos morais e éticos extremamente importantes não foram citados, porém isso não indica que foram anulados ou perderam valor.

O parecer final do concílio visava também proporcionar e manter a comunhão entre os cristãos judeus e gentios. Este convívio pacífico não dependia unicamente de restrições impostas, mas também das atitudes que cada um desses grupos defendia. Por exemplo, o quarto mandamento do Decálogo deveria ter sido uma questão de desavença entre eles se houvesse dois dias de guarda sendo observados, de um lado os cristão judeus guardando o sábado e de outro os gentios o domingo(b), de acordo com as alegações dominguistas e anoministas. Se a observância dominical fosse realmente praticada pelos cristãos gentios haveria discussão sobre isso, pois, essa suposta discordância quanto ao dia de descanso semanal proporcionaria dois ensinos divergentes no cristianismo. Porém, não há nenhum registro ao longo de todo o Novo Testamento sobre esta questão.

A lei ordena única e exclusivamente a guarda do sétimo dia da semana – o sábado do Eterno Deus, e este mandamento de cunho moral está entre e interligado aos demais nove preceitos do Decálogo(c), indivisivelmente mantido entre os Dez Mandamentos(d). Se os cristãos gentios da época observaram o domingo como sugere as hipóteses, isso seria mais um motivo de discórdia entre judeus e gentios, e certamente teria sido levado a julgamento no referido concílio. Por que não existe nenhum relato quanto a isso? Os apóstolos, todos judeus, não deveriam ter se manifestado a respeito, uma vez que eles observavam o sábado?3


Texto baseado em: Comentários Bíblicos Adventistas do Sétimo Dia & WHITE, E. G. Atos dos Apóstolos, sec. III, cap. 19, p. 188-200.
1. Levítivo 7:26-27; Levítico 17:10-14 cf Gênesis 9:4; Levítico 19:26. Um animal estrangulado não podia ser sangrado em forma aceitável; consequentemente sua carne era imprópria para o consumo.
2. Deuteronômio 27:26; Deuteronômio 28:58-60; Deuteronômio 29:29; Deuterônomio 30:9-11; Deuteronômio 31:9-13; Deuteronômio 32:45-47; Josué 1:7-8; Josué 23:6-7; II Reis 17:13-21; Jeremias 9:11-16; Jeremias 16:10-12.
3. Os apóstolos e os recém cristãos (judeus e gentios) guardavam o sábado (Atos 13:42-44; Atos 16:12-13; Atos 17:1-3; Atos 18:1-4; Atos 18:11); Jesus guardava o sábado (Marcos 1:21; Lucas 4:31-37; Lucas 6:6-7; Mateus 12:9-14; Marcos 3:1-6; Lucas 4:16-17) e, após a crucificação dEle, os Seus seguidores continuaram a guardar o sábado conforme o quarto mandamento (Lucas 23:54-56 cf Mateus 24:20).
 

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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