Comparando Escatologias – Parte 7: Apocalipse 7

Na sexta postagem dessa série, analisamos as interpretações católicas e protestantes em geral a respeito de Apocalipse 1-6. Foi a primeira postagem sobre Apocalipse, depois de cinco sobre Daniel. Nesta sétima postagem, daremos prosseguimento às comparações, focando no capítulo 7 de Apocalipse. Quem não leu as postagens anteriores, os links estão aqui (parte 1parte 2parte 3parte 4parte 5 e parte 6).

O selo de Deus

O capítulo 7 de Apocalipse é um interlúdio na série de selos abertos por Jesus a partir do capítulo 6. Esse interlúdio está colocado exatamente entre o sexto e o sétimo selo, dos quais já falamos na postagem anterior. Os primeiros quatro versos falam sobre um selo que será colocado nas testas dos servos de Deus em algum momento. Lemos:

“Depois disto, vi quatro anjos em pé nos quatro cantos da terra, conservando seguros os quatro ventos da terra, para que nenhum vento soprasse sobre a terra, nem sobre o mar, nem sobre árvore alguma. Vi outro anjo que subia do nascente do sol, tendo o selo do Deus vivo, e clamou em grande voz aos quatro anjos, aqueles aos quais fora dado fazer dano à terra e ao mar, dizendo: Não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até selarmos na fronte os servos do nosso Deus. Então, ouvi o número dos que foram selados, que era cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel […]”.

Esse mesmo selo é citado em Apocalipse 9:4, onde é dito que em algum momento gafanhotos causariam muito mal apenas “aos homens que não têm o selo de Deus sobre a fronte”. Já em Apocalipse 14:1 se faz uma referência às mesmas pessoas seladas de Apocalipse 7:1-8, dizendo que elas possuem o nome do Cordeiro e do Pai na fronte. E fora do Apocalipse, no livro de Ezequiel 9, há uma passagem que também fala sobre um sinal na testa. Ela pode ajudar na interpretação de Apocalipse 7.

As perguntas que devemos responder neste texto são as seguintes: o que é o selo de Deus? E quando é que esse selamento ocorre na história? Dito isso, vamos ver o que diz cada intérprete.

Os comentaristas da Nova Bíblia de Estudo de Genebra afirmam sobre Ap 7:3: “Os fiéis são selados como um sinal de proteção e posse (09:04; 14:01; Ez 09:04)”. Uma nota útil sobre o tema é feita sobre Ap 13:16: “A marca da besta é uma falsificação do selo do nome de Deus sobre os santos (7:2-8; 14:01; Ez 9)”. Não há comentário sobre o selo em relação a Ap 14:1. Mas os intérpretes comentam o seguinte em Ezequiel 9:4: “A marca na testa nesta visão pode ter influenciado João em Ap. 07:03; 14:09”.

O Comentário Bíblico Moody, de modo sucinto, pontua: “O sinal dá a entender que este grupo particular será divinamente protegido nas tribulações que estão para se desencadear sobre a terra”. Não diz mais nada relevante sobre o tema.

A Bíblia de Estudo Apologia oferece uma interpretação mais detalhada. Comentando o capítulo 7, diz:

“O povo de Deus deve ser selado, indicando propriedade de Deus e a sua proteção, antes que o último selo seja removido do livro (8:1) e os juízos de Deus que estão contidos no pergaminho sejam liberados”.

Em nota no capítulo 9, pontua:

“A quinta trombeta relembra a praga de gafanhotos de Joel 1:4 e 2:25. Não há proteção para os ferrões semelhantes aos dos escorpiões, extremamente dolorosos, embora não fatais, dos demoníacos gafanhotos (9:1-3), exceto o texto de Deus na testa da pessoa (7:3-4,8). Os crentes são protegidos em termos de seu destino eterno, pelo selo do Espírito Santo (Ef 1:13-14, 4:30)”.

Em relação a Apocalipse 13:16, sustenta: “O ‘sinal’ da Besta está em contraste com o selo (7:3-4) e o nome do Cordeiro e do Pai (14:1) nas testas das 144 mil pessoas”.

E podemos ler uma nota interessante sobre Ezequiel 9:4:

“Deus o instituiu a fazer uma ‘marca’ em cada pessoa que sofresse pelas abominações da idolatria. A palavra traduzida como ‘sinal’ é taw, o nome da última letra do alfabeto hebraico. No sistema de escrita hebraico antigo, a letra taw se parecia com um X ou + (não como na escrita ‘quadrada’, comumente usada para o hebraico, depois do retorno do exílio). Cada pessoa que recebesse essa marca seria poupada. Os intérpretes cristãos consideram esta marca como um tipo de cruz de Cristo (Ap 7:3; 9:4)”.

A Bíblia de Jerusalém faz duas notas relevantes. Sobre Apocalipse 7:1-4, comenta o que acontece com os servos de Deus: “Marcados com o selo divino (Rm 4:11+), eles escaparão às pragas (cf. Ex 12:7-14)”. Sobre Apocalipse 14:1, sustenta: “Aos sectários da Besta marcados com o número do seu nome (13:16-17), João opõe os fieis do Cordeiro (5-6+), marcados com seu nome e o nome de seu Pai (7:4; 12:17+)”.

Newton possui interpretação mais detalhada. Em resumo, ele explica que o sinal tinha a ver com o Dia da Expiação. Para ele, o ritual dos dois bodes de Levítico 16 tinha aplicação aqui. Ele diz:

“O bode destinado a Deus representa a gente que é assinalada na testa com o nome de Deus. O bode destinado a Azazel, o qual é mandado para o deserto, representa aqueles que recebem o sinal e o nome da Besta e vão para o deserto com a grande prostituta [Ap 17:1 e 19:2]”.

Mais adiante, ele cita Ezequiel 9:1-4, onde os justos marcados na testa não seriam mortos pelo castigo divino, e diz: “Depreendemos disso que os cento e quarenta e quatro mil sejam marcados a fim de ficarem preservados contra as pragas das seis primeiras trombetas”. Em seguida, afirma que enquanto “eram marcados os cento e quarenta e quatro mil, escolhidos entre as doze tribos dos filhos de Israel, assinalados em sua fronte como os servos do nosso Deus; então os restantes, também das doze tribos, recebiam o sinal da Besta”. Newton conclui repetindo a questão dos dois bodes já mencionados: “Este Selo e esta Marca eram representados pelo lançamento da sorte sobre os dois bodes, dos quais o que cabia a Deus era sacrificado sobre o Monte Sião e o bode expiatório, carregando os pecados do povo, era enviado para o deserto”.

Alguma dessas interpretações é coerente com a Bíblia? O texto bíblico foi analisado com cuidado e detalhe? É o que vamos ver agora. O ponto de partida para nós é um ponto em comum nas interpretações: a marca da besta e o selo de Deus estão em paralelo. Sem dúvida, isso está correto. Ambos servem para identificar a quem os indivíduos pertencem. Ambos são postos na fronte (embora a marca da besta possa ser posta na mão direita também). Apocalipse 9:3-4 afirma que os que têm o selo de Deus serão protegidos em determinado momento. Já Apocalipse 16:1-2 afirma que os que têm a marca da besta sofrerão uma chaga maligna na ocasião da primeira praga de Deus sobre o mundo. Apocalipse 13:16-18 fala sobre a marcação dos servos da besta. No verso seguinte (Ap 14:1), o texto fala sobre os servos de Deus já selados. Esses mesmos dois textos falam que a marca e o selo estão relacionados ao nome da besta e de Deus, respectivamente.

Ora, uma vez que o Apocalipse é um livro de símbolos, parece bastante óbvio que tanto o selo quanto a marca não são, literalmente, sinais visíveis gravados em nossas testas como tatuagens ou marcas de gado. Certamente, esses sinais descritos em Apocalipse são símbolos de alguma realidade mais ampla. E aqui está o problema: das cinco obras usadas para a comparação das ideias, apenas a Bíblia de Estudo Apologia se arriscou a dizer o que o selo de Deus simboliza. Os demais parecem não ter visto relevância nessa questão. A questão, no entanto, é essencial, posto que (1) há um interlúdio focando no assunto “selo de Deus”; (2) o tema é repetido posteriormente; (3) a marca da besta, sendo uma contrafação do selo de Deus, só pode ser compreendida se soubermos o que é o selo de Deus. Não parece, portanto, que o selo não simbolize nada em específico.

Pois bem, como vimos, a Bíblia de Estudo Apologia defende a ideia de que o selo de Deus é o Espírito Santo em sua nota a Apocalipse 9:4. A base para isso está Efésios 1:13-14 e 4:30. Lemos nessas passagens: “[…] depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef 1:13-14). “E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção” (Ef 4:30).

Haveria coerência nessa ideia? Não. Há uma série de dificuldades nessa hipótese. Note, primeiramente, que ela parte do pressuposto de que se em Efésios 1:13-14 e 4:30 o Espírito Santo é um selo, então necessariamente ele também é o selo de Apocalipse 7:1-3. Mas isso não necessariamente é verdade. Às vezes, autores bíblicos usam a mesma expressão para falar sobre coisas distintas. Ora, a epístola aos Efésios foi escrita por Paulo, enquanto Apocalipse foi escrito por João. Além disso, há várias décadas de distância entre a redação de um e a redação do outro. Então, pode ser que os assuntos tratados sejam distintos. Como ter certeza? Analisando o contexto, coisa que essa hipótese não faz. Então, vamos analisar o contexto.

Apocalipse 7:1-3 diz o seguinte: “Depois disto, vi quatro anjos em pé nos quatro cantos da terra, conservando seguros os quatro ventos da terra, para que nenhum vento soprasse sobre a terra, nem sobre o mar, nem sobre árvore alguma. Vi outro anjo que subia do nascente do sol, tendo o selo do Deus vivo, e clamou em grande voz aos quatro anjos, aqueles aos quais fora dado fazer dano à terra e ao mar, dizendo: Não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até selarmos na fronte os servos do nosso Deus”. Note essas informações dadas pelo texto:

  1. No período mencionado, existem servos de Deus não selados;
  2. Um anjo sobe do nascente com o selo de Deus para selar esses servos;
  3. O selo é posto na testa dos servos.
  4. A terra, o mar e as árvores não são danificadas até o selamento terminar.

Supondo que o selo aqui seja o Espírito Santo, temos o seguinte cenário:

  1. No período mencionado, existem servos de Deus sem o Espírito Santo;
  2. Um anjo sobe do nascente para dar o Espírito Santo a esses servos;
  3. O Espírito Santo é posto na testa dos servos;
  4. A terra, o mar e as árvores não são danificadas até o Espírito ser dado a todos os servos.

Convenhamos que essa interpretação é estranha. Primeiro: se alguém já é servo de Deus, por que não teria o Espírito Santo? E se não tem o Espírito Santo, como pode ser servo de Deus antes disso? Podemos até pensar na Antiga Aliança, quando o Espírito Santo não habitava os servos, mas apenas visitava e andava por perto. Mas o Apocalipse retrata eventos da Nova Aliança, onde todo servo de Deus tem o Espírito Santo dentro de si. Também podemos pensar em exceções, como um grupo de judeus que fora batizado no batismo de João, sem ouvir falar sobre a promessa do Espírito e sabendo muito pouco sobre Jesus (At 19:1-4). Estes só receberam o Espírito Santo depois de rebatizados, agora em nome de Jesus. No entanto, o Apocalipse não parece estar falando de exceções. A palavra “servo”, no sentido espiritual, é sempre usada para seguidores verdadeiros e instruídos de Deus. Então, é estranho pensar que Apocalipse 7:1-3 está dizendo que há servos sem Espírito Santo. Note ainda que a Bíblia não parece se coadunar com a ideia de servos sem Espírito Santo. Paulo diz:

“Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus. Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8:8-9).

E antes disso: “Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna” (Rm 6:22).

Aparentemente, na cabeça de Paulo, se o sujeito se tornou servo, automaticamente recebeu o Espírito Santo. É o que ele parece dizer no próprio texto de Efésios 1:13 já citado: “[…] depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa”.

O texto de Apocalipse 7:1-3, no entanto, fala de servos que ainda seriam selados. Ora, ou é servo com Espírito, ou não tem Espírito nem é servo. Um servo sem Espírito esperando para receber o Espírito parece um contrassenso.

Segundo: o Espírito Santo não é dado por um anjo. É o próprio Espírito Santo que desce sobre nós. Interpretar que o anjo traz o Espírito gera a impressão de que o Espírito é um objeto e que sequer é dado por Deus, mas por anjos. Então, é improvável que o selo aqui seja o Espírito Santo. Por outro lado, anjo significa “mensageiro”. Parece, portanto, plausível supor que o selo aqui seja algo que um mensageiro traz para os servos de Deus de maneira ostensiva.

Terceiro: o que significaria o Espírito Santo sendo posto na testa? Não parece fazer muito sentido. Sabemos que um selo na testa traz duas ideias possíveis: (a) identificação visível e (b) algo assimilado pela mente (testa). Uma vez que o recebimento do Espírito Santo não é algo visível (seus efeitos sim, mas o recebimento em si, não) e que não é uma ideia para ser “assimilada” (mas sim, o próprio Deus sendo recebido), então não parece que o selo aqui se refere ao Espírito Santo. É mais provável que o selo de Deus constitua alguma crença cuja prática seja visível a todos. Isso se encaixa no conceito de algo assimilável pela mente (testa) e de algo visível ao mundo. Como exemplo disso, temos a passagem de Ezequiel 9:1-6, que fala justamente sobre um selo na testa simbolizando uma crença de servos de Deus que era visível na prática.

Quarto: a ideia de que a terra, o mar e as árvores não são danificadas até o selo ser dado a todos sugere que o mundo não seria destruído enquanto todos os servos não recebessem o selo. Se essa é a interpretação, então o texto parece querer dizer que o selamento demora bastante tempo. Isso significa que o tempo durante o qual diversos servos permanecerão sem selo, esperando ser selados, é extenso. Ora, supondo que o Espírito seja o selo, então temos que servos de Deus permanecerão sendo servos e não tendo o Espírito Santo durante muito tempo, até recebê-lo. Mais uma vez, isso não faz sentido. Se são servos e por muito tempo, por que já não teriam o Espírito Santo desde quando se tornaram servos?

Para além dos três primeiros versos de Apocalipse 7, devemos notar duas informações do contexto temático que os circunscrevem:

(a) Apocalipse 7 vem logo após versos que falam sobre sinais no céu e nos astros sempre relacionados ao fim do mundo (Ap 6:12-17; comparar com Is 13:10 e 34:4; Ez 32:7; Jl 2:31; Mt 24:29; Mc 13:24-25; Lc 21:25). Como os capítulos 6-8 apresentam uma sequência temporal de eventos descritos em sete fases e o Apocalipse 7 está entre a fase 6 e a fase 7, isso significa que o evento do selamento começa apenas no tempo do fim. Se, portanto, o selo fosse o Espírito Santo, isso implicaria que os servos de Deus só receberão o Espírito Santo no tempo do fim. O problema é que os cristãos possuem o Espírito Santo desde o Pentecostes, há dois milênios. Então, ou o selo não é o Espírito nesse texto ou o tempo do fim começou há vinte séculos.

O tempo do fim tendo início há vinte séculos não só é estranho como contradiz o que aprendemos sobre o tempo do fim em Daniel 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 12. A interpretação desses capítulos, conforme vimos nos primeiros cinco textos dessa série, demonstra que o tempo do fim se inicia em algum ponto entre 1798 e 1844. Além disso, vimos na última postagem que o sexto selo e a sexta igreja se referem a algum período entre os séculos 18 e 19. Então, isso anula totalmente a possibilidade de o selo de Deus, nesse contexto, ser o Espírito Santo, já recebido pelos crentes dezoito séculos antes (e dado desde então a todos que se tornam servos de Deus, sem necessidade de espera).

(b) Dos versos 4 em diante, o capítulo 7 narra um selamento feito a 12 mil pessoas de cada uma das 12 tribos de Israel, totalizando 144 mil. Tudo aqui parece representar a totalidade do povo de Deus. Veja: Israel é o povo étnico de Deus, com grande importância no Antigo Testamento. O número 144 mil é formado por 12 x 12 x 1000. Os dois 12 parecem uma alusão ao número de tribos e o número de discípulos, o que une AT e NT. O 1000 sempre é uma alusão a grande quantidade.

Então, parece que o texto está dizendo que todos os verdadeiros cristãos espalhados pelas igrejas (e até fora delas) receberão esse selo. Mas ora, se o selo é o Espírito Santo, então isso quer dizer que todos os servos de Deus do mundo serão servos sem Espírito Santo por um longo período para só depois receberem o Espírito. Definitivamente, isso não é bíblico.

Assim sendo, pelo contexto, não dá para dizer que o selo de Apocalipse 7:1-3 é o Espírito Santo. Simplesmente, não se encaixa. O contexto nos obriga a pensar no selo como sendo uma crença ou objeto de crença que gera comportamento visível. Esse objeto de crença deve evidenciar a todos que a pessoa pertence a Deus. Do mesmo modo, a marca da besta é um objeto de crença que gera uma postura visível e indica que a pessoa pertence à besta. Provavelmente, o que o selo de Deus é o exato oposto da marca da besta.

A Bíblia pode nos ajudar a descobrir qual é esse selo? Bom, sem dúvida é nela que nós precisamos procurar. O primeiro livro que pode nos ajudar a desvendar essa questão é o de Daniel. Lá podemos ler sobre dois decretos governamentais que ordenaram pessoas a quebrarem mandamentos de Deus. O primeiro decreto está em Daniel 3. Neste capítulo vemos que o rei babilônico Nabucodonosor constrói uma estátua gigante de si mesmo e ordena que todos se prostrem diante dela e a adorem. Três amigos de Daniel resolvem não fazer isso, pois atingia diretamente dois mandamentos de Deus: Não adorar outros deuses e não adorar imagens (Êx 20:3-6). Como resultado, foram condenados à morte pela fornalha de fogo (embora salvos milagrosamente).

O segundo decreto está em Daniel 6. O rei Dario ordena que durante um mês todas as orações do povo não fossem feitas a nenhum deus, mas apenas ao próprio rei. Daniel resolveu não respeitar o decreto, já que atingia o preceito de só adorar a Yahweh. Como resultado, foi condenado à morte em uma cova de leões (e também salvo de maneira milagrosa).

Então, perceba: em dois casos, governos imprimiram decretos que impunham ao povo uma prática que era contrária à Lei de Deus. Podemos dizer que, nesses casos, cumprir o decreto era receber a marca do governo, enquanto que descumprir o decreto era honrar a Deus, recebendo assim o selo, ou sinal de Deus. Marca, selo e sinal são símbolos de crenças/posturas. E nossas crenças/posturas demonstram a quem nós pertencemos.

Consideradas essas questões, parece bastante provável que a marca imposta pela besta em Apocalipse 13:16-18 seja um decreto governamental que obriga a todos a fazerem algo que fira a Lei de Deus. Neste caso, a marca é um pecado (uma transgressão à Lei divina), enquanto o selo de Deus é um ou mais mandamentos cridos e cumpridos pelo povo de Deus mesmo em face do decreto. Seria um mandamento específico ou vários mandamentos? As duas possibilidades são plausíveis. De fato, Apocalipse 12:17 e 14:12 expressam que os servos fieis de Deus se caracterizam por “guardar os mandamentos de Deus e a fé em Jesus”. Não há dúvida, portanto, que receberá o selo quem tem buscado fazer tudo o que Deus ordena (ainda que a perfeição seja impossível e as obras não nos gerem mérito algum, sendo apenas consequência de um coração convertido). Então, isso poderia ser um indicio de que o selo são todos os mandamentos. Contudo, devemos considerar alguns pontos ainda.

É bastante improvável que um decreto governamental obrigasse os cidadãos a ferirem todos os mandamentos de Deus. Os mandamentos são variados, o que torna difícil que os governos tivessem um objetivo que necessitasse do descumprimento de todos eles e por todos os cidadãos. Além disso, mesmo que um decreto acabe desencadeando outros decretos que ferem a Lei de Deus, estes são consequências do primeiro. Por exemplo, suponha que em algum momento os cristãos bíblicos sejam alvo dos Estados e que os governos obriguem civis para matar e roubar tais indivíduos. Esses dois atos que ferem a Lei de Deus, no entanto, são efeitos de algum primeiro que foi imposto pelo Estado e descumprido pelos cristãos bíblicos. Por isso a perseguição. Assim, há alguma marca anterior que foi rejeitada.

Consideremos ainda que os governos modernos dificilmente teriam interesse impor a todos determinados descumprimentos da Lei como desonrar pai e mãe, adulterar e cobiçar. Aliás, o Estado nem tem como impor a cobiça. Tampouco a postura de não cobiçar é visível a todos. Impor algum falso testemunho é algo que governos poderiam requerer em muitos contextos. Entretanto, é difícil imaginar isso sendo imposto a todas as pessoas em todos os contextos. O mesmo pode ser dito em relação aos outros seis mandamentos em relação ao próximo. E até se sairmos dos dez mandamentos, a coisa não muda muito. Como e por qual razão os governos imporiam, por exemplo, que todos se embebedassem, ou que todos fornicassem, ou que todos torturassem uns aos outros?

Dada a universalidade do decreto, ele provavelmente se refere ou a um mandamento específico ou a alguns poucos mandamentos relacionados a Deus. Quais são os quatro mandamentos do decálogo relacionados a Deus? Adorar só a Yahweh, não cultuar imagens, não usar o nome de Yahweh em vão e guardar o sábado. Fora do decálogo, talvez possamos citar o batismo, a santa ceia, o ato de congregar e a própria fé em Cristo Jesus. O Estado poderia criar um decreto que ferisse esses mandamentos? Sim, isso é possível. Estados ditatoriais comunistas e islâmicos fizeram e fazem isso há bastante tempo. Basicamente, esses governos impedem cristãos bíblicos de professarem sua fé, gerando resistência por parte dos primeiros e perseguição ferrenha por parte dos últimos. Mesmo Estados democráticos podem criar dificuldades aos cristãos bíblicos sob a bandeira da laicidade (transformando Estado laico em Estado anticristão).

Então, seriam esses mandamentos relacionados a Deus o selo de Apocalipse 7:1-3? É possível, mas ainda há um ponto a ser observado. E esse ponto é crucial. A passagem diz que o selo de Deus é trazido por um anjo. Também sugere que antes desse anjo vir com o selo existiam muitos cristãos verdadeiros não selados. Aparentemente, entre o sexto e o sétimo selo (isto é, no tempo do fim), um anjo inicia uma obra de selamento ostensiva. Isso significa que todos os cristãos verdadeiros sem selo que chegarem até o tempo da volta de Jesus serão, em algum momento antes do fim, selados pelo anjo. Em termos de crença/postura, o que o texto está dizendo é que todos os cristãos verdadeiros que não possuem determinada crença/postura e que chegarão ao tempo da volta de Jesus, receberão essa crença/postura do anjo.

Anjo, como já vimos, significa mensageiro. Então, temos um mensageiro que trará uma crença/postura para cristãos verdadeiros que ainda não a possuem. Essa crença/postura é um dos mandamentos relacionados a Deus. Perguntamos, pois: qual é o mandamento que os cristãos verdadeiros, durante muito tempo, não creram/praticaram, necessitando ser restaurado? O único mandamento que cabe aqui é, sem dúvida, o sábado. O sábado foi literalmente esquecido ao longo dos séculos. Milhões de cristãos verdadeiros (e, portanto, salvos) sequer ouviram uma única pregação sobre sábado nas diversas eras da igreja até hoje. Mas se o sábado realmente é um mandamento de Deus a ser obedecido pelos cristãos, obviamente deve ser restaurado antes de Jesus voltar. “Lembra-te” é a expressão usada no início do mandamento (Êx 20:8).

Apocalipse 7:1-3, portanto, fala sobre a pregação e a aceitação do sábado no tempo do fim. O anjo citado não deve ser entendido como literal. As mensagens bíblicas têm sido quase sempre pregadas pelos próprios seres humanos. Então, o anjo deve ser símbolo de um grupo enorme de cristãos sabatistas verdadeiros, trazendo consigo a mensagem da restauração desse dia e da breve volta de Jesus após o selamento.

Isso faz sentido dentro da perspectiva macro do Apocalipse, de Daniel e da Bíblia como um todo? Faz. Por exemplo, Apocalipse 14:1 afirma: “Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai”. É o mesmo grupo de Apocalipse 7:1-8 e a mesma testa marcada. Então, é plausível concluir que o selo de Deus tem a ver com o nome do Pai e do Cordeiro. Qual é o nome do Pai e do Cordeiro? Jesus diz que ele e o Pai são um só Deus (Jo 10:30). O nome de Deus, na Bíblia, é YHWH (Yahweh).

O que significa ter o nome Yahweh na testa? Mais uma vez: não esperamos que as pessoas tenham literalmente o nome do Pai e do Cordeiro marcados na testa. Logo, isso simboliza alguma coisa. O que pode ser? Vejamos. O nome YHWH (Yahweh) aparece pela primeira vez na Bíblia em Gênesis 2:4. No contexto, certo Elohim (significado genérico para “deus” ou “deuses”) havia acabado de criar nosso mundo (Gn 1). Mas o nome dele aí da não havia sido revelado. No capítulo 2, dos versos 1 a 3, o texto destaca que esse Elohim cessou a obra criativa no sétimo dia e, por isso, abençoou e santificou esse dia. Então, apenas ao cessar a obra e tornar o sétimo dia santo e abençoado que o nome do Elohim é revelado, no verso 4: Yahweh. A partir dali, o autor bíblico passa a chamar o Elohim de Yahweh Elohim (traduzido em muitas Bíblias como Senhor Deus).

O texto parece indicar, portanto, que o sábado nos revela que Yahweh é o Criador e que o nome de Yahweh nos lembra o sábado. Será que é isso mesmo? Parece que sim. Em diversas passagens da Bíblia, os hebreus/judeus descreviam seu Deus falando seu nome e dizendo que Ele era o Criador (Gn 2:1-3; Êx 20:8-11 e 31:12-18; II Rs 19:15; I Cr 16:26; II Cr 2:11-12; Jn 1:8-10; Ne 9:6; Sl 96:5, 115:15, 121:2, 124:8, 134:3, 135:5-6, 146:5-6; Is 37:16, 45:18; Jr 10:11; Mt 11:25; Lc 10:21; At 4:24-27, 14:15, 17:23-24; Ap 10:5-6 e 14:6-7). Isso fazia todo o sentido para época, já que o nome tinha íntima relação com a identidade de uma pessoa. Assim, ao apresentar Deus como “Yahweh, aquele que fez os céus, a Terra, o mar e tudo o que neles há” (ou algo nesse sentido), os hebreus estavam dizendo que o nome Yahweh levava consigo essa identidade: criador.

Além disso, todos os deuses tinham nomes e uma descrição que indicava do que ou de quem eles eram deuses. Havia deuses do fogo, da água, do vento, da guerra, do lazer, do sexo, dos babilônicos, dos egípcios, dos gregos. Yahweh era, portanto, o Deus Criador e o Deus que se revelou a Israel. Entender isso nos ajuda a compreender o sentido de um texto que está em Ezequiel 20:12-20. Nessa passagem, Deus diz aos hebreus que deu o sábado para eles (já que, à época, nenhum outro povo o guardava mais) como sinal de que Ele era Yahweh. Quê Yahweh? O Deus Criador do mundo. Parafraseando: “Sabem o tal do Yahweh, o Deus Criador do qual vocês ouviram falar nas tradições orais e que agora consta nos livros de Moisés? Pois bem, esse Yahweh santificou e abençoou o sétimo dia, o sábado. Então, eu estou mandando vocês guardarem o sábado para vocês terem certeza que eu sou aquele mesmo Yahweh. Esse é o sinal entre nós”.

Baseados nisso, podemos dizer que há uma íntima relação entre o nome Yahweh, a ideia de que Ele é o Criador e o sábado. Uma coisa aponta a outra. Curiosamente, no NT, vários autores vão enfatizar que Jesus é o Criador e que é um com Yahweh (Jo 1:1-5 e 10:30; I Co 8:6; Cl 1:15-17 e 2:9; Hb 1:1-4; Fl 2:6-8). E o próprio Jesus vai se colocar como o Senhor do Sábado (Mt 12:8; Mc 2:28; Lc 6:5). Isso nos lembra que no AT, o sétimo dia da semana é chamado de Sábado de Yahweh ou Sábado de Adonay (Êx 16:23-25, 20:10; Lv 23:3; Dt 5:14; ver também expressão ―meus sábados‖ pela boca de Yahweh: Êx 31:13; Lv 19:3; Is 56:4; Ez 20:12-24). Assim, Jesus Cristo se colocava como o próprio Yahweh e, por conseguinte, como o Criador do mundo e o Deus que instituiu o Sábado.

Podemos ir mais longe nessas análises e analisar o nome específico do Cordeiro aqui na Terra. Jesus é a forma derivada do latim Iesus (que recebeu um J porque até certo período o J tinha som de I) e do grego Iesous (que tradutores judeus do hebraico para o grego optaram por escrever com “s” em vez de “a” para o nome não ficar feminino). O nome é uma transliteração do hebraico Yeshua, que significa “salvar”. Esse nome é a forma abreviada de Yehoshua (Josué), que significa “Yahweh salva”. Portanto, o nome do Cordeiro nos remete ao fato de que Yahweh não só é o Criador, mas também aquele que nos salva. E isso nos lembra de que o Deus Criador e Salvador do NT é o mesmo Deus Criador e Salvador do AT. O título Emanuel (“Deus Conosco”), profetizado para o Messias em Isaías 7:13-14 e dado a Jesus em Mateus 1:23 traz consigo ideias muito semelhantes. O Deus Criador desce e nos redime.

Assim sendo, os nomes do Pai e do Cordeiro possuem relação direta com os conceitos de Deus como Criador, Salvador e Senhor do Sábado. Por implicação, se relaciona ainda com os conceitos de um só Deus nas Escrituras (AT e NT), do Deus que nos deu mandamentos e do Deus que encarnou para nos salvar pela graça mediante a fé. Ter os nomes do Pai e do Cordeiro na testa, portanto, é assimilar todas essas crenças e mostrar isso na prática. O sábado, por conseguinte, é justamente o mandamento esquecido que une todas essas crenças de maneira inseparável e as demonstra na prática. A guarda do sábado não é algo meramente interno. É algo visível a todos e que pode ser restringido pelo Estado através de legislação que obrigue a trabalhar no sétimo dia e descansar no primeiro (vulgo domingo).

Três outros pontos podem ser citados. Primeiro: na sequência de Apocalipse 14, os versos 6-7 irão fazer menção justamente ao fato de que Deus é Criador. Essa é uma das últimas mensagens importantes para o mundo. Diz o texto:

“Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para pregar aos que se assentam sobre a terra, e a cada nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo, em grande voz: Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (Ap 14:6-7).

Note: mais uma vez um anjo pregando a todo o mundo. A mensagem lembra que a hora do Juízo de Deus está chegando (o que remete à volta de Jesus) e que devemos adorar não a qualquer Deus, mas ao Criador. As palavras usadas nessa segunda parte são quase as mesmas de Êxodo 20:11, onde se encontra o mandamento do sábado.

Segundo: em Apocalipse 11:19, que ainda iremos estudar em outra postagem, João vê a Arca da Aliança no Céu. No Antigo Testamento, o decálogo era guardado na Arca da Aliança do Santuário terreno (Êx 25:16-21; Dt 10:1-5; I Rs 8:9; II Cr 5:10), o qual era modelo do Santuário Celeste (Hb 8:1-6, 9:11-12, 23-26). Logo, é razoável supor que essa visão indica que o decálogo deveria ser valorizado no tempo do fim. Veremos isso mais a fundo em outra postagem.

Terceiro: Daniel 7:25 afirma que o chifre pequeno (Roma católica/papal) mudaria os tempos e a Lei de Deus. De fato, Roma foi responsável por sacramentar a mudança do sábado para o domingo. Fez isso por meio do antijudaísmo teológico da maior parte da patrística (Irineu, Barnabé, Justino Mártir, Orígenes, Epifânio, Jerônimo, Eusébio, João Crisóstomo, etc.), por diversos concílios e sínodos antijudaicos e anti sábado (como os de Elvira, Niceia, Antioquia, Laodiceia, Epaona, Macon, Paris, Geral Espanhol, Toledo, Latrão, etc.), por de decretos estatais (como o de Constantino) e pela autoridade dos Papas em manter e incentivar esta mudança. O desprezo pelo sábado e a aceitação do domingo como dia santo se tornou cultural e nem a Reforma Protestante conseguiu enxergar esse sacrilégio após tantos séculos de verdade solapada. Então, parece claro que resta ainda uma grande reforma a ser feita em torno deste ponto. O chifre pequeno não terminará seus dias ganhando.

Aqui entra a seguinte questão: é plausível supor que um decreto dominical internacional ocorra nos dias de hoje? Sim. Na verdade, de certa forma, isso já acontece. Por herança católica e protestante, o mundo se acostumou a ver o domingo como dia de descanso. Assim, diversas empresas funcionam de segunda a sábado, fechando apenas no domingo. Em muitos países, há leis que criam encargos e entraves para as empresas que abrem nos domingos. No Brasil, a lei trabalhista diz que o domingo é o dia preferencial de descanso e os sindicatos cobram que os funcionários que trabalham por escala tenham pelo menos uma folga no domingo por mês. Há várias cidades no mundo e no Brasil que, de tempos em tempos, proíbem por lei os comércios de abrir aos domingos.

É notável que diversos grupos são favoráveis a leis que proíbam atividade comercial aos domingos: católicos e protestantes que vêem o domingo como dia para culto, família e descanso; pessoas sem religião que preferem folgar aos domingos por causa da família; socialistas e trabalhistas que querem combater a exploração dos trabalhadores pobres pelas grandes empresas; ambientalistas que querem um dia semanal de pausa para o meio ambiente; etc.

Ao mesmo tempo em que a proposta de um domingo imposto a todos pode parecer atraente a todos os países em algum momento da história, o sábado pode se tornar cada vez mais um dia de trabalho e atividades obrigatórias. Isso pode acontecer por conta de crises econômicas que obriguem aumento de carga horária, pelo fim total das atividades no domingo (empurrando mais atividades para o sábado), pelo aumento de sabatistas no mundo (criando maior desemprego para esta classe) e por alguma espécie de sentimento anti sabático que possa surgir entre as pessoas em geral, os empresários e os próprios governantes.

Uma vez que democracia é o poder pela maioria, ainda que um terço das pessoas do mundo se torne sabatista (que é mais ou menos o número de cristãos hoje na Terra), os dois terços de não sabatistas poderiam criar restrições ao sabatismo. E não é difícil imaginar que mesmo apenas 10% de sabatistas no mundo (cerca de 700 milhões) já causariam um impacto social, econômico, religioso e político grande o suficiente para irritar os outros 90% de não sabatistas. Sobretudo se catástrofes sociais começarem a ser entendidas por outros religiosos como ira divina pela multiplicação de sabatistas. Ora, o mundo hoje é composto por uma maioria de religiosos. Não é difícil acontecer. De igual maneira, se o mundo se tornasse ateu e antipático à religião em sua maioria (como é em alguns países), os sabatistas seriam perseguidos da mesma forma. Um bando de cristãos que crê em preceitos bíblicos “retrógrados” e ainda para de trabalhar no sábado é uma pedra no sapato do “progresso” cultural e econômico do mundo – segundo a visão dos secularistas.

Além disso, esse tipo de intervenção estatal não seria novidade na história. Estados na época da supremacia católica frequentemente proibiam trabalhos aos domingos. Igrejas, com aval estatal, condenavam teologicamente quem era pego “sabatizando”. Estados confessionais católicos e protestantes foram comuns até o século 18. Em todos esses, a religião estatal restringia (em maior ou menor grau) as atividades das demais. Na França revolucionária, o Estado virou ateu e isso significou perseguição aos religiosos. Nos países socialistas dos séculos 20, o ateísmo estatal fez milhões de vítimas. E faz vítimas ainda hoje. Nos países islâmicos, os demais grupos religiosos sofrem restrições. Em suma, a possibilidade de perseguição religiosa é uma constante no mundo. Basta haver um bom número de pessoas intolerantes e com poder.

Feitas essas interpretações, é preciso deixar claro o que o texto de Apocalipse 7:1-4 não diz. Ele não diz que todos os cristãos verdadeiros que não guardaram o sábado ao longo desses vinte séculos se perderam. Ele não diz que hoje só os cristãos que guardam o sábado serão salvos. Ele não diz que sábado salva. Ele não diz que o selo é a causa da salvação dos servos de Deus.

O que o texto diz é que os servos de Deus são servos antes de receberem o selo. Ou seja, eles não são servos porque tem o selo. Eles recebem o selo porque são servos. Como alguém se torna servo de Deus? Crendo em Jesus, recebendo o Espírito Santo e se dispondo a fazer a vontade de Deus. Então, o que o texto está dizendo é que em algum momento da história todos os servos de Deus receberão o entendimento de que o sábado faz parte da vontade de Deus. E, como são servos, irão guardar o sábado. Isso não é nenhuma heresia. É apenas o que acontece rotineiramente na vida do cristão: ele é salvo pela graça, mediante a fé em Jesus e, por consequência, passa a tentar fazer tudo o que descobre que é a vontade de Deus – por amor, gratidão e respeito. Por que seria absurdo crer que os verdadeiros cristãos de todas as igrejas, ao descobrirem que o sábado está em vigência, passarão a guardá-lo?

Isso nos leva a concluir outros três pontos. Primeiro: se o selo é o sábado, esse processo de selamento ainda não terminou. Há bilhões de pessoas que precisam conhecer a Jesus e os mandamentos de Deus. Então, o sábado hoje não está cumprindo a função de selo no sentido de indicar quem é de Deus e quem não é. Há pessoas que guardam o sábado, mas são péssimos cristãos. Há pessoas que não guardam o sábado e são cristãos maravilhosos. Em suma, sábado não é indicação de nada hoje, no que tange a identificação do povo de Deus. Ainda não é o tempo da colheita.

Segundo: se a maioria dos cristãos ao longo da história não guardou o sábado porque não teve condição de conhecê-lo ou não teve alguém que o ensinasse de maneira apropriada, é óbvio que esse cristão não tinha como guardar. Logo, ele não pode ser culpado do pecado de rebeldia. Não faz sentido, portanto, inferir que esses cristãos não foram salvos por serem rebeldes e terem uma fé falsa. Eles eram verdadeiros e fizeram o seu melhor dentro daquilo que conheciam.

Terceiro: sábado não salva, assim como também não salva honrar os pais, não matar, não roubar, não adulterar, não se embriagar, ajudar os pobres, etc. Somos salvos pela graça, mediante a fé em Jesus. Agora, o que se espera de um verdadeiro cristão? Que ele cumpra, por amor, os mandamentos de Deus. Quem tem fé verdadeira em Cristo Jesus, o ama. Quem o ama, procura fazer a sua vontade. E o inverso é verdadeiro. Quem não procura fazer a sua vontade, não o ama. Quem não o ama, não tem fé verdadeira. Em suma, devemos guardar o sábado não para ser salvos, mas para agradar Aquele a quem amamos e que nos ofereceu a salvação gratuitamente.

Os 144 mil selados e a grande multidão

Uma questão adicional que devemos tratar no capítulo 7 é a identidade dos 144 mil (vs. 4-8) e da grande multidão (vs. 9-17). Embora com a identificação do selo, essa questão já fique “meio resolvida”, existem algumas visões diferentes sobre a temática. Assim, devemos fazer as comparações.

Em nota ao capítulo 7, os comentaristas da Nova Bíblia de Estudo de Genebra afirmam que “A numeração equilibrada [12 tribos com 12 mil pessoas cada] sugere que ‘doze’ é um número simbólico para a plenitude do povo de Deus”. Eles mencionam ainda que alguns creem que os 144 mil incluem apenas os judeus, mas que a expressão “servos do nosso Deus”, no verso 3, indica que o número “deve incluir santos gentios também”. Além disso, “O estatuto de igualdade de gentios e judeus nas sete igrejas (Ef 2:11-22) e as promessas associadas apenas com os 144.000 (09:04; 14:1-5)” confirmariam esse ponto. Os intérpretes também pontuam que “de acordo com vs. 9-17, nenhum ser humano pode contar o seu número”, o que implicaria que o número 144 mil é simbólico e é a grande multidão dos versos 9-17.  É o que a nota a Apocalipse 14:1 parece dizer, aliás: “Os 144.000 representam os santos em seu número completo (7:4-8 nota)”.

O Comentário Bíblico Moody, por sua vez, entende que “duas grandes multidões são apresentadas, uma na terra (7:1-8) e outra certamente no céu, em pé diante do trono e diante do Cordeiro (7:9-17)”. Ou seja, os 144 mil não seriam a grande multidão. Na sequência, o comentário apresenta quatro hipóteses em relação a identidade dos 144 mil selados: (1) representam apenas o processo de preservação do povo de Deus ao longo das eras; (2) são os cristãos de todas as épocas; (3) são divisões da Igreja Cristã; (4) são os israelitas do fim dos tempos. O comentarista não diz qual delas defende, mas critica apenas as três primeiras, dando a entender que favorece a quarta. Em relação à grande multidão de Ap 7:9-17, diz que ela “é de natureza universal – certamente não confinada a Israel, mas de todas as tribos e povos agora na glória”.

A Bíblia de Estudo Apologia comenta que para determinada seita os 144 mil são um número literal que irá reinar com Cristo. A isso pontua que como “há um grupo muito maior – ‘uma multidão a qual ninguém podia contar’ – mencionado imediatamente depois, como sendo levados ao céu (v. 9)”, essa interpretação é falha. Na sequência, a nota diz: “Embora muitos acreditem que os 144.000 sejam um símbolo da Igreja, os nomes das tribos e os números naturalmente se referem ao Israel étnico”. O intérprete também afirma: “A referência à ‘grande multidão’ que trajava vestes brancas a conecta aos mártires (6:11) e, na única outra passagem em que encontramos ‘grande multidão’ (19:1-6), à esposa (19:7-8) e aos exércitos (19:14) do Cordeiro”.

A Bíblia de Jerusalém, a respeito dos 144 mil, afirma: “Quadrado de doze (número sagrado), multiplicado por mil: a multidão dos fieis de Cristo, povo de Deus, novo Israel (Gl 6:16; cf. Tg 1:1; Ap 11:1, 20:9)”. E sobre a grande multidão diz: “Desta vez é a multidão de mártires cristãos já em posse da felicidade celeste (v. 14; 15:2-4)”.

Para Isaac Newton, como já citado no tópico anterior, os 144 mil recebiam o selo e todas as outras pessoas recebiam a marca da besta, o que sugere que os 144 mil são uma representação de todo o povo de Deus. Newton não dá mais detalhes sobre isso e não deixa claro se a grande multidão de Apocalipse 7:9-17 era outro grupo ou não.

Alguma dessas interpretações está correta? Vejamos. À exceção do Comentário Bíblico Moody, todos enfatizam que o número é simbólico. De fato, independente do número se restringir a Israel ou levar em conta outras pessoas, não parece plausível que um grupo de servos de Deus se forme de modo tão exato, com 12 mil pessoas de 12 tribos. Essa constatação leva logicamente a uma segunda: se o número é simbólico, tudo deve ser simbólico. Se o número é literal, tudo deve ser literal. Não faria sentido, por exemplo, que 144 mil literais formados por 12 grupos de 12 mil pessoas não se referisse às 12 tribos literais do Israel literal. Da mesma forma, não faria sentido que os 144 mil fossem simbólicos, mas se referissem ao Israel e às tribos literais. Neste ponto, a Bíblia de Estudo Apologia falha ao supor que o número é simbólico, porém se refere ao Israel e às tribos literais.

O que o texto parece querer dizer, portanto, é que não só o número é simbólico, mas que Israel e suas tribos representam os crentes em Jesus no geral. Essa é a interpretação de Newton, da Bíblia de Jerusalém e da Nova Bíblia de Estudo de Genebra. Os intérpretes da última, no entanto, entendem que os 144 mil são a grande multidão. Não parece ser o caso, já que a grande multidão está relacionada a outro ponto do texto: os mártires e as futuras comemorações celestes após a tribulação final (que desemboca na volta de Jesus e na ascensão da Igreja). João tem um prelúdio dentro do interlúdio de como o fim do pecado e a vindicação dos mártires estão próximos do contexto do selamento. Devemos lembrar que o interlúdio está entre o sexto e o sétimo selo. Em suma, a segunda visão antecipa uma festa celeste já com todos os salvos de todas as épocas, enquanto que a primeira fala do selamento. São dois grupos distintos e de períodos distintos.

Algo que escapa até aos intérpretes que distinguem os 144 mil da grande multidão é que não há apenas dois grupos representados em Apocalipse 7. Há três. O primeiro deles é o grupo representado pelo anjo que carrega o selo. Note: embora o selo seja de Deus, é o anjo que o leva aos 144 mil. O selo, portanto, é a mensagem do mensageiro. E quem é que prega a mensagem do sábado? Cristãos sabatistas, é claro! O Apocalipse vai usar a mesma imagem no capítulo 14 (que também fala dos 144 mil). Um anjo voa pelo meio do céu com um evangelho eterno para pregar ao mundo todo (v. 6). Sim, esse anjo só pode representar pessoas. Não quaisquer pessoas, mas cristãos sabatistas engajados em pregar que Jesus vem e que devemos adorar a Deus como Criador (v. 7).

Assim sendo, os três grupos do capítulo 7 são: os crentes sabatistas que irão espalhar a mensagem do sábado, todos os cristãos verdadeiros do finzinho do mundo (que, por serem verdadeiros, irão aceitar a mensagem) e todos os cristãos (em especial, mártires) que, ao fim do sétimo selo, louvarão a Deus pela salvação. O interlúdio acaba com esse prelúdio da glória e Apocalipse 8:1 nos apresenta o que ocorre depois do selamento: o silêncio no céu. Finalmente, Jesus Cristo volta para buscar os seus com todo o Exército Celeste.

Resumo e Conclusão

Vimos que pelas características dadas em Apocalipse 7:1-4, o Selo de Deus representa alguma crença que se manifesta visivelmente na prática. Ele não pode ser o Espírito Santo porque, entre outras razões, a passagem diz um anjo traz o selo e pessoas que já eram servas o recebem. Isso sugere que o Selo de Deus é uma crença/postura ensinada por pessoas específicas. Corrobora com isso o fato de que selo está em paralelo com a marca da besta (sendo esta última a sua contrafação) e ter a função de identificar de modo visível quem é servo de Deus.

Decretos governamentais em Daniel 3 e 6 nos ajudam a entender que a marca da besta terá a ver com alguma imposição estatal que fira a Lei de Deus, o que torna claro que o selo de Deus é o cumprimento de um ou mais mandamentos. Uma análise da natureza dos mandamentos e de qual deles não tem sido guardado por cristãos verdadeiros ao longo dos séculos (necessitando ser restaurado) revela que o sábado é o único que se encaixa aqui. Além disso, de acordo com um estudo sobre o nome de Deus, a semana da criação e diversas passagens sobre Deus como Criador, conclui-se que o sábado como selo tem coerência dentro do panorama geral de Apocalipse, Daniel e a Bíblia Sagrada como um todo.

Os versos, como constatamos, não ensinam que o selo salva, mas que pessoas que já eram servas antes de terem o selo receberam-no. Isso implica que o cristão verdadeiro dos últimos dias não será salvo porque guarda o sábado, mas sim guardará o sábado porque ama a Cristo que o salvou. Quem ama a Cristo, se esforça para fazer a vontade de Deus expressa em seus mandamentos. A salvação é pela graça, mediante a fé. A fé leva ao amor. E o amor leva ao cumprimento dos mandamentos.

Também os versos não ensinam que os crentes verdadeiros que não guardaram o sábado ao longo dos séculos o fizeram por rebeldia e, por isso, perderam a salvação. A maioria dos cristãos da história não teve condição de conhecer este tema (ou conhecê-lo de modo convincente). Assim, não foram rebeldes para com Deus. Não há nada que sugira a perdição deles. Pelo contrário.

Vimos também que os 144 mil são simbólicos e que são um grupo diferente da grande multidão. Há três grupos representados em Apocalipse 7: os cristãos sabatistas que pregarão sobre o sábado no tempo do fim, os cristãos verdadeiros que aceitarão e todos os cristãos (em especial, os mártires) que comemorarão o fim do pecado no céu ao fim do sétimo selo (algo que é antecipado em visão no capítulo 7 de modo mostrar que o fim está próximo neste contexto).

A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem defendido desde sua origem que o Selo de Deus em Apocalipse 7 é o sábado. Sendo o maior movimento cristão sabatista no mundo hoje, entendemos ser nossa missão pregar esta mensagem para todas as pessoas. Cremos ainda que essa é nossa missão profética. Em relação aos 144 mil, há algum debate entre adventistas sobre qual seria a identidade dos mesmos. Não obstante, teólogos de renome no adventismo têm defendido a interpretação que propus nesse texto.

Na próxima postagem, estudaremos sobre Apocalipse 8-9 e, possivelmente, 10-11. Elas falam das sete trombetas, mas contém um grande interlúdio.

Por Davi Caldas

Fonte: Reação Adventista

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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