Uma pergunta que me fizeram algumas vezes desde que a pandemia do Coronavírus começou foi mais ou menos a seguinte: “Será que agora vem o fim?”. Essa pergunta (ou qualquer variante dela) revela um problema cultural no meio cristão como um todo e, em especial, no meio cristão adventista. Estamos acostumados a relacionar o fim deste mundo com catástrofes sociais. Há quatro problemas nisso que eu gostaria de elencar.
O primeiro é que catástrofes sociais não são um guia conclusivo para asseverar que o fim chegou. Pense, por exemplo, nos últimos 120 anos. O mundo viu a revolução russa, a primeira guerra mundial, a crise de 29, a segunda guerra mundial, a ascensão do socialismo, a guerra fria, diversas guerras no oriente médio e na África, o colapso da URSS e o fim não chegou. Se olharmos mais para trás, encontraremos sempre momentos na história em que o fim poderia ter vindo, dado o tamanho das catástrofes emergentes. E não veio.
O segundo é que esse tipo de postura nos tem predisposto a uma relação distorcida com as Escrituras e a escatologia. É comum que em meio a catástrofes sociais surja um interesse grande em especulações e teorias da conspiração a respeito de como as últimas coisas ocorrerão. Neste momento, os jornais, revistas, sites e blogs de notícias se tornam nossa Bíblia. Foge-se, então, daquilo que efetivamente está escrito. A Bíblia não dá detalhes sobre como cada coisa irá ocorrer. Assim sendo, centrar-se nessas questões é foca menos na Bíblia e abrir-se para uma espécie de sensacionalismo profético.
O terceiro é que facilmente acabamos nos preocupando muito mais com o que acontece de ruim ou chamativo na política, na economia e na sociedade do que com a pregação do evangelho eterno a todas as pessoas (Mt 24:14; Ap 10:9-10 e 14:6-7). E esse é o ponto que mais me impressiona. Os cristãos e adventistas em geral parecem estar sempre prontos para associar ao fim quaisquer catástrofes e movimentações de autoridades mundiais (como se elas fossem os mais conclusivos sinais do fim), mas não possuem a mesma prontidão para associar a pregação do evangelho com o fim.
A Bíblia é muito clara: o fim virá depois que o evangelho for pregado a todas as pessoas. A última crise pela qual passará a Terra, quando ficará claro quem é cristão de verdade e quem não é, só poderá ocorrer quando todos tiverem condições de escolher com consciência qual é o lado de Deus. Então, a associação certa a ser feita não é entre catástrofes, atos das autoridades e o fim, mas sim entre a pregação do evangelho eterno por todo o mundo e o fim. E a autoavaliação que todos precisam fazer é: “Eu tenho feito minha parte na pregação do evangelho?”.
Pregar o evangelho, obviamente, é anunciar o que Jesus Cristo fez por nós na cruz para nos salvar. Mas o evangelho não envolve só isso. Ele envolve o conhecimento da vontade de Deus, a qual está registrada na Bíblia. Assim, o processo de conversão e santificação anda lado a lado com um aprofundamento nas Escrituras. E nós sabemos como há “evangelhos” por aí que distorcem a Palavra de Deus. Portanto, nossa maior preocupação não deveria ser com as teorias montadas a partir dos jornais, mas com a mensagem bíblica que precisa ser pregada. Temos dado a devida importância a temas como regras básicas de interpretação da Bíblia, apologética teísta e cristã, defesa sólida das doutrinas bíblicas, exaltação das 5 Solas da Reforma, pregação bíblica (sobretudo, expositiva) e um ensino escatológico centrado no que efetivamente a Bíblia diz? Ou temos permitido o analfabetismo bíblico e teológico prosperarem? O leitor percebe como o foco é diferente? O conselho de Paulo a Timóteo é muito instrutivo para nós:
“Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino: prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério” (II Tm 4:1-5).
O quarto problema da postura que estamos analisando é que ela cria o que meu amigo Davi Boechat chama de “uma série de pequenos desapontamentos” – uma alusão ao Grande Desapontamento vivido pelos mileritas em 1844 por Jesus não ter voltado naquele ano, como eles acreditavam. Esses pequenos desapontamentos enfraquecem a fé de muitos crentes e, claro, criam descrédito diante dos descrentes. É mais uma razão para focar em estudos e pregações bíblicas, não em especulações, teorias conspiratórias, tragédias diárias e movimentações políticas.
Isso significa que não devemos estar de olho no cenário social pelo mundo? Não, não é esse o ponto. É obrigação de qualquer cidadão ser bem informado politicamente. E o cristão sabe que em algum momento as movimentações sociais conduzirão o mundo ao fim. Mas esse não deve ser, de maneira alguma, o nosso foco. E aqui eu gostaria de responder a pergunta que tantas vezes as pessoas têm me feito: “Será que agora vem o fim?”. Eu não sei. É inconclusivo. Pode ser que todo o cenário causado pela pandemia provoque o fim para os próximos dois anos, um ano, seis meses? Sim. Mas também pode ser que o cenário causado seja apenas mais uma das convulsões sociais comuns no mundo desde sempre e que o fim só venha daqui a cem anos? Também.
O que tenho dito sempre é que nossa perspectiva sobre a proximidade do fim tende a ser sempre humana. Pensamos em algo próximo como um ano, dois anos, cinco anos, dez anos ou, no máximo, algumas décadas. Por quê? Porque vivemos pouco. Para nós, algo temporalmente “próximo” precisa caber dentro do nosso tempo de vida. No entanto, do ponto de vista divino e matemático, isso não faz sentido. Pense bem: se a humanidade tiver seis mil anos de história e Jesus voltar hoje, isso quer dizer que quem nasceu em 1720 (há trezentos anos) viveu dentro dos últimos 5% da história humana. E quem nasceu em 1960 viveu dentro do último 1%. Ambos, como podemos ver, participaram do finalzinho do mundo. Afinal, quando já completamos 95% ou 99% de um trajeto, dizemos que já está bem perto do fim.
Da mesma maneira, se a humanidade tem seis mil anos e Jesus voltar daqui cem anos, isso significará que todos nós hoje estamos vivendo os últimos 2% da história humana nessa Terra. Ou seja, 98% já se passou. Matematicamente, é perfeitamente plausível considerar esse período como sendo o tempo do fim. Ainda assim, a grande maioria das pessoas que está viva hoje estará morta daqui cem anos (incluindo eu). O que tudo isso mostra é que a proximidade da volta de Jesus não necessariamente regula com o nosso tempo de vida. O que é muito para nós, que vivemos não muito mais que cem anos, é bem pouco do ponto de vista da história humana na Terra. Então, sim, é possível dizer que o fim está próximo mesmo que ele demore ainda mais cem ou duzentos anos.
Aqui as catástrofes e movimentações políticas pouco ajudam a definir quando e como tudo vai acabar. Elas nos servem, é claro, para que fiquemos em alerta. Também nos lembram que esse mundo não é bom e que precisamos ansiar pela volta de Cristo. Mas a velocidade com que cenários políticos, econômicos e sociais se modificam em grandes crises demonstra que se o fim dependesse apenas de movimentação política, ele já teria ocorrido. Isso nos faz lembrar Apocalipse 7:1-4. Deus tem uma promessa ali. O mundo não será destruído enquanto todos os servos verdadeiros de Deus não receberem o selo por meio de seu anjo. O selo vem numa mensagem, meus amigos. E os mensageiros (o “anjo”) somos nós. Então, não é para teorias da conspiração que devemos olhar. Não são os passos das autoridades que devem roubar nosso foco. Não é de sensacionalismo profético que devemos nos alimentar e alimentar os outros. O centro precisa ser a mensagem que Deus nos confiou.
Eu não sei se a pandemia está preparando o caminho para o fim vir em alguns poucos meses ou anos. É possível. Não descarto a hipótese. Mas uma vez que essa resposta não está na Bíblia, descobri-la não deve ser o nosso alvo. Um pastor me dizia que devemos viver como se Jesus Cristo fosse voltar hoje e, ao mesmo tempo, como se ele fosse voltar daqui a cem anos. Creio ser um bom conselho. Quem o seguir não será pego de surpresa se Jesus voltar em pouco tempo, nem se frustrará se ele não voltar em nossa geração.
Por Davi Caldas
Fonte: Reação Adventista