Por que Ester foi ao concurso de beleza, no qual seria escolhida outra rainha para o rei Assuero? Ela não sabia que ele era um homem casado? Será que foi um caso de adultério entre eles?
Os relatos bíblicos devem ser analisados primeiramente à luz dos costumes e práticas do tempo em que foram escritos.
Nos tempos do Antigo Testamento, em Israel e nas demais nações, era comum a prática da poligamia especialmente entre os reis, e isso não era visto como adultério. Note que o rei Davi tinha muitas mulheres e não era considerado adultério quando ele arranjava mais uma. Adultério era tomar a mulher de outro homem, como foi o caso quando o rei teve relações sexuais com Bate-Seba, mulher de um de seus generais, chamado Urias.
É verdade que a poligamia nunca esteve nos planos de Deus, que criou uma mulher para Adão e, consequentemente, deu apenas um marido para Eva. Foi o pecado que deu origem à poligamia, que brotou primeiramente entre os descendentes de Caim (ver Lameque e suas duas esposas, em Gênesis 4:19). Vários patriarcas, incluindo Abraão e seu neto Jacó, foram polígamos (Gn 25:5, 6; 31:17). Mas, nos tempos do Novo Testamento, essa prática foi desestimulada (ver I Co 7:2, 3).
À semelhança dos demais reis daquela época, o rei Assuero era polígamo. Assim, não era considerado adultério ter relações com Ester, pois ela não era mulher casada, e sim solteira.
É muitas vezes perguntado se Ester poderia ter evitado o concurso de beleza, no qual haveria a escolha de outra rainha para o lugar de Vasti. Nessa questão, os teólogos estão bem divididos quanto à resposta: uns dizem que Ester foi ao concurso de beleza por livre e espontânea vontade; outros pensam exatamente o contrário. Estes últimos crêem que nenhuma mulher estava em condição de exercer o direito de escolha face ao decreto real, e que elas foram levadas ao rei contra a vontade delas.
O livro de Ester parece sugerir que Ester não foi àquele concurso de beleza por vontade própria. Vejamos o que nos dizem alguns versos do livro que leva o seu nome:
“Tragam-se moças para o rei . . .” (2:2); “Ponha o rei comissários…, que reúnam todas as moças virgens…” (2:3); ” Em se divulgando, pois, o mandado do rei e a sua lei, ao serem ajuntadas muitas moças na cidadela de Susã…, levaram também Ester à casa do rei” (2:8); “Assim, foi levada Ester ao rei Assuero, à casa real” (2:16).
Alguém poderia pensar que era uma grande honra participar daquele evento e ser uma candidata à condição de esposa do rei. Mas as circunstâncias poderiam não ser assim tão boas para as participantes. Somente uma delas seria a escolhida: a que mais satisfizesse sexualmente o rei. Depois de ficar uma noite com o rei, se não fosse escolhida, tal candidata não voltava para casa. Ela se tornava concubina do rei, e ia morar na “casa das mulheres” (nome para o harém real). Ali viviam num regime de quase viuvez, pois só voltava a ter relações com o rei se este a chamasse pelo nome (2:14) – algo bastante raro, devido ao elevado número de mulheres e concubinas reais. A própria rainha Ester queixou-se ao primo Mordecai que, em determinada ocasião, se havia passado todo um mês sem ser “chamada para entrar ao rei” (4:11).
No entanto, forçada ou não a participar daquele evento, uma vez nele, Ester fez o melhor que podia, naquela circunstância. Possivelmente creu que Deus poderia transformar aqueles acontecimentos em algo bom para ela e seu povo ( judeu). Era essa a opinião de seu primo Mordecai: “Quem sabe se para conjuntura como esta é que foste elevada a rainha?” (4:14).
O certo é que não conhecemos todos os detalhes quanto à elevação de Ester a rainha da Pérsia. Mas, apesar do que lhe aconteceu, ela não perdeu sua fé em Deus e ajudou a salvar seu povo de uma destruição certa. Verdadeiramente, para ela se cumpriram as palavras de Paulo: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o Seu propósito” (Rm 8:28).