Algo que acho curioso em boa parte (talvez a maioria) dos anti sabatistas é que o pensamento deles é exatamente igual ao pensamento legalista dos fariseus que tanto importunavam Jesus. Darei um exemplo. Por ser o sábado um dia santo, devendo ser dedicado a Deus e coisas mais espirituais e altruístas, sabatistas fiéis não fazem compras nesse dia. O exemplo está na Bíblia. O comércio era proibido nesse dia (Ne 13:15-22, Jr 17:21-22, Lc 23:56).
Nesse último sábado, no entanto, meu pai e meu irmão estavam doentes. Sem hesitar e sem culpa alguma, fui à farmácia e comprei remédios para eles. Tanto o fariseu legalista quanto o anti sabatista me diriam a mesma coisa: “Olha, você profanou o sábado!”. O fariseu com a intenção de dizer que pequei. O anti sabatista com a intenção de dizer que o sábado é impossível de ser guardado e, por isso, Deus o aboliu.
Curiosamente, o anti sabatista, que geralmente diz ter tanta aversão ao legalismo e ao farisaísmo, usa exatamente a mesma visão do fariseu e do legalista a respeito do sábado, apenas mudando sua conclusão. Incoerente, não?
O fato é que o pressuposto farisaico celebrado tanto pelo legalista, quanto pelo que se diz contrário ao legalismo, é errôneo. E foi isso que Jesus tentou mostrar durante todo o seu ministério. Se alguém está doente, prescindindo de cuidados urgentes, é obrigação de qualquer ser humano prover os cuidados necessários. Isso não é comércio, trabalho secular ou mero interesse próprio. Isso é amor ao próximo.
Amor ao próximo é uma lei, um mandamento da Torá (Lv 19:18). A Bíblia diz que a lei do Senhor é perfeita (Sl 19:7) e que seus mandamentos devem ser cumpridos à risca, diligentemente (Sl 119:4). Então, é óbvio que não podemos conceber a interpretação de que no sábado, o amor ao próximo deve ficar de lado em algumas circunstâncias. Isso seria reconhecer que a lei de Deus não é perfeita, mas contraditória, e que amar ao próximo não é um mandamento absoluto, podendo ser suspenso em algumas ocasiões.
Mas o que Jesus ensina é o contrário. Para Cristo, a lei é perfeita e o amor ao próximo é mandamento absoluto. Logo, não há, nem pode haver uma contradição entre amar ao próximo e guardar o sábado. A conclusão é que a própria natureza do sábado inclui e necessita do elemento “amor ao próximo”. Se tiramos o amor ao próximo do sábado, descaracterizamos e anulamos o próprio sábado. É por isso que Jesus diz que “é licito fazer o bem aos sábados” (Mt 12:12).
O problema dos fariseus legalistas é que por mais doutos que fossem, não entendiam a essência do mandamento do sábado: promover descanso e bem estar espiritual a todos os homens no âmbito de uma íntima em comunhão com Deus. Isso incluía, portanto, o descanso individual, a adoração mais profunda ao Senhor e o descanso do próximo. O mandamento, em Êxodo 20:8-11, afirma que todos na casa deveriam desfrutar desse bem estar, até mesmo os servos, o estrangeiro hospedado com a família e os animais. A passagem de Isaías 56:1-8 enfatiza: estrangeiros podem e devem participar. Fica claro, então, que o sábado incluía, em sua essência, o benefício do próximo e da sociedade como um todo. Todos poderiam e deveriam estar mais perto de Deus e bem.
Se um dos objetivos principais do sábado era o bem estar do homem, então fazer o bem, ajudar, confortar, curar, tudo isso era licito. Assim, Jesus passava os seus sábados servindo a Deus e ao próximo, possibilitando o bem estar das pessoas. A leitura rasteira da Torá levou os fariseus a focarem apenas na superfície da lei. Se ela está dizendo para não fazer obra alguma, então também não devemos fazer uma obra de cura. Para eles, era como um trabalho.
Note que é o mesmo pensamento do anti sabatista moderno. Ao me ver comprando remédio em dia de sábado, diria: “Olha, você está alimentando o comércio!”. Para ele, a transgressão do sábado estaria no ato de trocar dinheiro por remédio. Porque ele olha para a superfície, não para a essência do mandamento. A transgressão do sábado não está nessa troca, mas na intenção deliberada de cuidar dos meus próprios negócios, de me preocupar com meus interesses seculares, meu trabalho, minhas compras. Mas nada disso está presente no ato de comprar remédios para um doente. O que se espera de mim como cristão é que eu consiga esses remédios. Nesse sentido, não há diferença entre eu já tê-los em casa e eu ir buscá-los na farmácia.
Fariseus legalistas e anti sabatistas modernos são dois lados da mesma moeda. Os dois sustentam que uma lei que não está fincada no amor. A única diferença é que o primeiro grupo aceita essa lei. O segundo grupo a rejeita. Jesus, no entanto, ensinou que toda a Torá e os Profetas dependem de dois mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos (Mt 22:37-40). Em outras palavras, não adorar outros deuses, não adorar imagens de escultura, não usar o nome de Deus em vão, guardar o sábado, honrar pai e mãe, não matar, não adulterar, não roubar, não mentir, não cobiçar, dar dízimo e ofertas, perdoar – tudo isso se baseia no (e só faz sentido com) o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Arranque um desses dois pilares de qualquer mandamento e ele perde a razão de ser e a sua essência.
O sábado, sem a noção de amor a Deus e de amor ao próximo, se torna contraditório e sem sentido. Uma analogia deixa isso mais claro: as leis de trânsito impõem limites de velocidade, semáforos e faixas de pedestre. Uma ambulância, contudo, pode burlar tudo isso quando a sirene está ligada. Um legalista dirá que a ambulância está contrariando as leis de trânsito e, portanto, cometendo um crime. Um crítico do legalismo dirá a mesma coisa: a ambulância está cometendo crime. O primeiro concluirá que o correto, o justo, o legal é a ambulância cumprir as leis de trânsito, independente da urgência. O segundo sustentará que o correto é abolir as leis de trânsito. Mas a verdade é que a premissa dos dois está errada. A ambulância não transgride as leis, pois a intenção da lei é proteger vidas. Se a ambulância precisa avançar sinais, faixas e limites de velocidade para salvar uma, a essência da lei está sendo cumprida.
“O sábado foi feito por causa do homem, não o homem por causa do sábado”, foi o que Jesus ensinou (Mc 2:27). Da mesma maneira, as leis de trânsito foram feitas para salvar vidas, não as vidas foram feitas para salvar as leis de trânsito. Se o sábado é destituído de sua essência de amor a Deus e ao próximo, perde a razão de ser.
É claro que seria muito bom morar em um lugar onde todos fossem sabatistas e vissem o sábado da maneira como Jesus via. O dono da farmácia não cobraria por remédios no sábado. Ao receber um telefonema de alguém doente, prescindindo de remédios, iria com prazer ao seu estabelecimento, pegaria o medicamento solicitado e entregaria ao enfermo. Depois voltaria à sua devoção a Deus e descanso com a família e comunidade espiritual.
Num local assim, ninguém pensaria em comércio em dia de sábado, mas não hesitaria em ajudar ao próximo. Quem tem carro, daria caronas. Empresas de ônibus fariam um rodízio de motoristas para que eles levassem gente à igrejas mais distantes e hospitais, eles mesmos também parando e participando do culto. O serviço ao próximo nunca foi uma transgressão ao sábado. Na Igreja alguém fica à porta recebendo visitantes. Há os que cantam no púlpito. Há os diáconos e anciãos organizando a santa ceia e recebendo os dízimos e ofertas. Há o pastor pregando. Há vários ministérios em funcionamento. O afastado é visitado. O doente é visitado. O que deseja estudos bíblicos é visitado. O almoço é servido. A carona é dada. Tudo isso é serviço ao próximo e a Deus. Jamais foi pecado. E não seria se toda a sociedade fosse sabatista.
O anti sabatista moderno se agarra à mesma interpretação legalista sobre o sábado que o fariseu. Sob a ótica legalista, o sábado tem em sua cara o fariseu e em sua coroa o anti sabatista. São dois lados da mesma moeda. Não à toa o sábado se torna um fardo nas mãos e na boca desses dois grupos. E um alimenta o outro. Mas para quem conheceu o verdadeiro evangelho de Jesus Cristo, o sábado é mais um dia para amar. Porque o amor é a base de todas as coisas.
As palavras de Paulo, inspiradas pelo Espírito Santo, nos mostram o caminho correto que o guardador do sábado deve seguir: “[…] se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: ‘Amarás a teu próximo como a ti mesmo’. O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor” (Rm 13:9-10).
Por Davi Caldas
Fonte: Reação Adventista