O Servo Vigilante

Ao cantar o hino “Guarda, Vê se Muito Falta (HA, n° 135), nos vem à mente a imagem de uma sentinela sobre os muros de uma antiga cidade, respondendo às perguntas de um transeunte. Este pergunta: “Guarda, vê se muito falta para o dia alvorecer. Vai a noite ainda alta, ou já vem o amanhecer?”

Ao olhar para o horizonte e ver os primeiros indícios da aurora, o guarda responde: “Viajor, ó sim, desperta ao romper do arrebol! Fica em pé e põe-te alerta, eia, pois, que surge o sol!” Nos tempos antigos, os guardas tinham a obrigação de vigiar a cidade e assegurar a proteção do povo. Por isso, estavam atentos a qualquer movimento estranho nas circunvizinhanças. Certa vez, uma sentinela avisou ao rei Davi que alguns mensageiros estavam chegando (2Sm 18:24-27).

Neemias colocou guardas para vigiar a cidade “de dia e de noite” (Ne 4:9). Na sentença profética de Isaías, o guarda informou a chegada da manhã e da noite (Is 21:11,12). Portanto, a palavra “vigilância” caracteriza a função das sentinelas.

Parábola – “Vigiai”. Essa foi a ordem que Cristo repetiu a Seus discípulos e, por extensão, à Sua igreja (Mt 24:42; 25:13; 26:41; Mc 13:33,35; Lc 21:36). Essa mesma advertência é vista em Suas parábolas. Mas, nesta oportunidade, gostaríamos de destacar a parábola do servo vigilante, registrada em Lucas 12:35-40.

Nessa ilustração, Jesus usa o exemplo de servos que aguardam seu senhor chegar das festas de casamento (v. 36), exemplificando a atitude de espera e preparo da parte dos Seus seguidores em relação à Sua segunda vinda. No verso 35, Jesus ressalta as características de Sua igreja expectante, a começar pelas palavras cingir e acender: “Cingido esteja o vosso corpo, e acesas, as vossas candeias.”

O ato de cingir o corpo devia-se às longas e folgadas vestes usadas pelos servos, as quais dificultavam a realização de determinados trabalhos. Para sentir-se mais à vontade e aptos para o serviço, eles amarravam/dobravam as partes longas de seus mantos dentro de um cinto ao redor da cintura. [Morris, Leon L. Lucas: introdução e Comentário (São Paulo, SP: Vida Nova, 2006), p. 204. Série Cultura Bíblica.]

Cristo usa esse exemplo para ensinar Sua igreja a se desfazer de tudo que atrapalhe a execução de Sua obra e o preparo para Sua breve volta. Isso está bem claro nos versos que antecedem a parábola (33 e 34), nos quais Cristo apela a Seus seguidores para que tirem a atenção das coisas terrenas e focalizem as coisas celestiais, “onde não chega o ladrão, nem a traça consome, porque onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”. O servo vigilante vive neste mundo, trabalha, estuda e participa nas atividades cotidianas, mas se desapega de tudo que possa prejudicar seu preparo para a volta de Cristo (ver Lc 21:34-36).

Lâmpadas – As lâmpadas eram acessas à base de óleo. “O pavio era acesso numa ponta e tinha a outra mergulhada no óleo, o qual tinha de ser suprido, de tempos em tempos, ou então a luz se apagava.” (Lição da Escola Sabatina, Parábolas de Jesus: histórias de amor e graça, 3° trim., Adultos/Professor, Lição 11, 1997, p. 2). O óleo/azeite era um dos principais produtos agrícolas e pertencia ao trio de elementos básicos da dieta nas terras mediterrâneas – “o cereal, o vinho e o azeite” (Dt 7:13; 2Cr 32:28). [Coenen, Lothar; Brown, Colin (eds.). Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento – N-Z, v. 2. (São Paulo, SP: Vida Nova, 2000), p. 1.432]. A Bíblia usa o óleo como um dos símbolos do Espírito Santo, e percebemos essa correspondência na unção de Davi como rei e a presença do Espírito em sua vida: “Tomou Samuel o chifre do azeite e o ungiu no meio dos seus irmãos; e, daquele dia em diante, o Espírito do Senhor Se apossou de Davi” (ISm 16:13).

Assim, compreendemos que, quando Cristo pede para que Seus seguidores mantenham as candeias acesas, está apelando para que busquemos o poder do Espírito Santo como um elemento indispensável no preparo para Sua volta. Encontramos semelhante lição na parábola das dez virgens (Mt 25:1-13). Todas tinham as lâmpadas, mas apenas metade possuía azeite. “As lâmpadas representam a Palavra de Deus. Diz o salmista: Lâmpada para os meus pés é a Tua Palavra, e luz para o meu caminho’ (SI 119:105). O óleo é símbolo do Espírito Santo.” [White, Ellen G. Parábolas de Jesus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1998), p. 406, 407]. A mensagem é clara: podemos possuir a Bíblia e o mais vasto conhecimento doutrinário, ser ativos na igreja e ter nosso nome no seu rol de membros, mas, se não recebermos diariamente o poder do Espírito Santo, estaremos despreparados para o Céu tanto quanto alguém que rejeitou a Cristo e Sua oferta de salvação. “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de
Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle” (Rm 8:9).

Espera – Os cristãos simbolizados pelos servos da parábola são também caracterizados como “aqueles que esperam pelo seu senhor”, estando atentos para quando o senhor “bater à porta, logo lha abram” (v. 36). Cristo preveniu a igreja quanto à tardança de Seu retorno (Mt 25:5), e os fiéis jamais imaginariam que tantos séculos se passariam desde a promessa proferida pelo próprio Cristo (Jo 14:1-3). Mas os autênticos cristãos “esperam pelo seu senhor”. Essa atitude demonstra fé inabalável na promessa da segunda vinda, fé que se mostra resistente, independentemente da demora ou das falsas teorias contrárias ao advento (Hc 2:3; 2Pe 3:3,4,9,10).

O ato de esperar não deve ser interpretado como ficar sentado, inativo, apenas contemplando a passagem do tempo, aguardando ocioso as coisas acontecerem. Ao contrário, consiste em participação no cumprimento da ordem do Mestre: “Ide […] e pregai” ( Mt 28:18-20; Mc 16:15,16). Isso é exemplificado na parábola dos talentos, na qual os servos fiéis estão em intensa atividade, promovendo e ampliando os negócios do seu senhor (Mt 25:14-30). O apóstolo Pedro escreve que precisamos “ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do dia de Deus” (2Pe 3:11,12). Os que esperam procuram apressar o dia do Senhor. E de que maneira fazemos isso? “Dando o evangelho ao mundo, está em nosso poder apressar a volta de nosso Senhor. Não nos cabe apenas aguardar, mas apressar o dia de Deus.”[Ellen G.White, O Desejado de Todas as Mações, p 633, 634].

Até agora, na parábola, mencionamos três características do cristão vigilante: 1) ele renuncia as coisas deste mundo; 2) busca o poder do Espírito Santo e 3) espera e apressa a volta de Cristo. Ao desenvolver tais características, os servos serão encontrados como “vigilantes”, quer o Senhor “venha na segunda vigília, quer na terceira”. Serão “bem-aventurados” se o Senhor “assim os achar”(Lc 12:37,38).

Os romanos dividiam a noite em quatro vigílias: das seis às nove da noite; das nove à meia-noite; da meia-noite às três da madrugada; e das três às seis da manhã. [Earle, Ralph; Sanner, A. Alwood; Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon: Mateus a Lucas, v. 6 (Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2006), p. 431, 432]. Observemos que Marcos e Mateus também dividiram desta forma os períodos noturnos (Mc 13:35; Mt 14:25). A parábola de Lucas 12:35-40 é paralela à de Marcos 13:34-37, na qual é feita uma exortação à vigilância e um servo é usado como exemplo de quem aguarda seu senhor. Assim, podemos concluir que a mesma divisão noturna (quatro períodos), usada em Marcos 13:35, também pode ser aplicada a Lucas 12:38, uma vez que ambas tratam do mesmo assunto. [Hendriksen, William. Comentárío do NovoTestamento: Lucas,v. 2.Trad. Valter Graciano Martins (São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2003), p. 200].

Por que os servos eram orientados a esperar a possibilidade da volta do senhor entre a segunda e a terceira vigília (das 21 às 3 horas)? É nesse período que a noite é mais escura. Também é mais difícil permanecer acordado e alerta [Earle, Ralph; Sanner, A. Alwood, op. cit, p. 432], principalmente nos momentos de transição entre as 24 horas e as primeiras horas da madrugada. Na parábola das dez virgens, o anúncio da vinda do noivo foi dado à meia-noite (Mt 25:6) e foi justamente nesse período que as virgens “foram todas tomadas de sono e adormeceram” (v. 5). É certo que Jesus não Se refere à hora do Seu retorno, pois Ele mesmo disse que “a respeito daquele dia e hora ninguém sabe” (Mt 24:36) e que não nos “compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela Sua exclusiva autoridade” (At 1:7). Mas vemos que a referência tem que ver com a situação caótica em que o mundo estará envolto por ocasião da segunda vinda de Cristo. As profecias indicam um período de trevas espirituais caracterizado pelo aumento do pecado e esfriamento da fé (Mt 24:12), enganos satânicos (Mt 24:5,23-27; 2Ts 2:9,10; l Tm 4:1, 2; Ap 13:13, 14; 16:13, 14), desmoralização da natureza humana (2Tm 3:1-5), desastres naturais (Mt 24:7; Lc 21:25,26), corrupção e desigualdade social (Tg 5:1-6). Tudo isso está acontecendo hoje. Mas, quando essas trevas espirituais chegarem ao seu clímax, quando a noite profética alcançar densa escuridão, veremos o Sol da justiça nascer, “trazendo salvação nas Suas asas” ( Ml 4:2). Cristo voltará à Terra no momento mais difícil. Ele Se levantará como “Miguel, o grande Príncipe, o defensor dos filhos do [Seu] povo, e haverá tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até aquele tempo” (Dn 12:1). Ele virá na “plenitude do tempo”, assim como foi na Sua primeira vinda (Gl 4:4).

Sempre alerta – Ao retornar, Cristo espera encontrar Sua igreja vigiando, e esta é uma das características do povo remanescente, nos últimos dias: “A atitude de vigilância deve caracterizar a igreja como o verdadeiro povo de Deus. Por este sinal os que se acham à espera distinguem-se do mundo, e mostram ser peregrinos e estrangeiros na Terra.” [Ellen G.White, Testemunhos Seletos, v.1, p. 29]. Essa vigilância faz com que o servo fique atento aos sinais proféticos, pois estes servem como indicadores da aproximação do dia do Senhor. “Deus tem sobre a Terra um povo que, com fé e santa esperança, está acompanhando o rápido cumprimento da profecia, e buscando purificar-se na obediência à verdade, a fim de que não sejam encontrados sem as vestes nupciais quando Cristo aparecer. […] Os sinais preditos na profecia estão se cumprindo rapidamente ao nosso redor. Isto deve despertar todo verdadeiro seguidor de Cristo, levando-o a zelosa ação.” [Ellen G.White, Testemunhos Seletos, v.1, págs 504, 505].

O pastor Jan Paulsen enumera três razões pelas quais o cristão precisa estar atento aos sinais:

1. Os sinais servem para manter nossos olhos fixos em nossa esperança.
2. Os sinais preservam a expectativa de algo melhor.
3. Os sinais nos encorajam a cumprir a missão.

Diante dos sinais, Cristo aponta qual deve ser a atitude correta de Seus servos. “Ora, ao começarem estas coisas a suceder, exultai e erguei a vossa cabeça; porque a vossa redenção se aproxima” (Lc 21:28).

Olhando para o horizonte, o guarda sobre o muro pode divisar o tão esperado surgimento da aurora. A noite pode ser longa e cansativa, mas o cumprimento dos sinais preditos pelo Senhor anuncia um novo dia. Se o guarda permanecer atento e seguir as recomendações deixadas na Palavra, poderá dar à trombeta o sonido certo e, como o atalaia sobre os muros de Sião, avisará o nascimento do dia do Senhor. O que Deus espera de Seu servo é que seja encontrado vigilante, pois “o fim de todas as coisas está próximo; sede, portanto, criteriosos e sóbrios a bem das vossas orações” (IPe 4:7).

Vigiai, cristãos sinceros,
Pois o fim está bem perto!
Tende as lâmpadas acesas,
Sempre prontos e despertos!
Eis que vem, sim, Cristo vem!
Vem reinar em grande glória,
Com os santos em vitória!
Eis que vem, sim, Cristo vem!
[HA, 126)

Artigo de autoria de Ezinaldo Ubirajara Pereira, capelão do Hospital Adventista de Belém, PA, publicado na Revista Adventista de maio/2009.

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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