Comparando Escatologias – Parte 3: Daniel 8

Na segunda postagem dessa série, analisamos as interpretações católicas e protestantes em geral a respeito de Daniel 7. Nessa terceira postagem, vamos analisar as interpretações católicas e protestantes em geral a respeito de Daniel 8. Quem não leu a primeira e segunda postagem, aconselho ler antes de prosseguir nessa terceira.

O chifre pequeno de Daniel 8

O capítulo 8 de Daniel apresenta mais uma visão do profeta sobre reinos que se sucedem. Nessa visão, aparecem dois animais: um carneiro com dois chifres, sendo um maior que o outro (Dn 8:3-4) e um bode que quebrava os dois chifres do carneiro, tornando-se muito forte (Dn 8:5-8). Os dois animais simbolizam (segundo o anjo que explica a visão ao profeta) a Medo-Pérsia e a Grécia, incluindo sua fase posterior a Alexandre, o Grande, com quatro divisões (Dn 8:20-22).

A identidade do carneiro e do bode são pontos pacíficos nas interpretações, pois a própria Bíblia dá o significado explícito. Os problemas começam na sucessão do reino grego. Os versos 9-14 indicam que um chifre pequeno surgiria após às quatro divisões do império grego. Esse chifre cresce para os lados de Jerusalém, se engrandece até o exército do céu, se eleva até o príncipe do exército celeste, tira o sacrifício diário, deita por terra o santuário e lança no chão as verdades. Tudo isso dura, segundo a predição, 2300 tardes e manhãs. Ao fim desse período, o santuário é purificado. Os versos 23-26, por sua vez, dão a entender que esse pequeno chifre é o “rei de feroz catadura” que destrói o povo santo e a muitos outros e se levanta contra o Príncipe dos príncipes.

Vamos analisar, nesse tópico, quem é o chifre/rei. No próximo tópico, focamos no significado das 2300 tardes e manhãs. Calvino interpreta a identidade do chifre da seguinte maneira: “Quando o profeta diz: de um daqueles quatro chifres ergueu-se um pequeno, a indicação cai mais distintamente sobre Antíoco Epífanes”. Os calvinistas da Nova Bíblia de Genebra vão na mesma linha:

08:09 ‘um chifre pequeno’. Segundo v 23, este ‘pequeno chifre’ simboliza o ímpio que irá surgir em um dos quatro reinos gregos depois de um longo intervalo de tempo (‘no último fim de seu reino’). As descrições das ações deste governante (vv. 9-14 ; 23-25 ) indicam que ele é Antíoco IV Epifânio, governante do reino selêucida 175-164 AC”.

 Pensa da mesma forma Stephen R. Miller, na Bíblia de Estudo Apologia, afirmando que a visão prediz “as conquistas de Alexandre, o Grande, com 200 anos de antecedência, e as perseguições de Antíoco, com 350 anos de antecedência”. A Bíblia de Jerusalém também dá amparo a essa visão, dizendo que “em 7:7, o autor passa imediatamente para a dinastia dos Selêucidas, embora especificando os predecessores de Antíoco Epifânio, de quem se falará aqui imediatamente no v. 9”. E concorda também o Comentário Bíblico Moody, ao dizer:

“Estes versículos predizem o triste conflito dos judeus, na segunda metade do segundo século A.C. (depois do seu regresso do exílio), com Antíoco IV, o rei selêucida, chamado Epifânio (o “Magnífico”) pelos amigos, e Epímanes (o “louco”) pelos inimigos. Muitos intérpretes evangélicos vêem aqui um tipo do Anticristo e o seu conflito com Cristo e o Seu povo no rural dos tempos. É possível que seja”.

Havendo tamanha unanimidade nesse ponto, estaria correta a interpretação do chifre pequeno de Daniel 8 como Antíoco Epifânio? Bom, unanimidade nem sempre é sinônimo de verdade. Há alguns problemas na identificação de Antíoco como sendo o chifre pequeno aqui. Em primeiro lugar, o texto hebraico não diz que o chifre pequeno saiu “de um dos chifres” do bode, como as traduções costumam a colocar. Diz apenas “de um deles”, podendo assim estar se referindo aos “quatro ventos” (v. 8).

Curiosamente, o termo “quatro ventos” também é usado na profecia passada dos quatro animais (Dn 7:2). Isso pode sugerir que Daniel que o chifre pequeno tem relação com um dos animais da predição anterior. Sendo este o caso, só quem se encaixa aqui é o quarto animal: Roma. A plausibilidade dessa interpretação está no fato de que ela mantém a estrutura da sucessão de reinos de Daniel 2 e 7, onde após a Grécia vem sempre Roma.

Gramaticalmente, a interpretação faz sentido por três razões: (a) O texto hebraico diz, literalmente, “de um [ahat] deles [mehem]”. Uma vez que os pronomes, no hebraico, devem sempre concordar, em gênero, com o substantivo ao qual se referem, isso sugere que a palavra ao qual essa frase deve ser um substantivo masculino ou duplo (algumas palavras em hebraico podem ser masculinas e femininas). É o caso de “ventos” [ruhot], que pode ser masculino ou feminino, mas não de chifres [qeren], que é feminino; (b) No texto hebraico, “de um deles” vem imediatamente depois de “ventos do céu”, sugerindo que há ligação entre ambos; (c) O uso da construção “de um deles” também sugere uma construção poética hebraica conhecida como “paralelismo gramatical com aliteração de ‘t’ e ‘m’”. Veja como se dá:

Ventos do céu: ruhot hashamaim

De um deles: ahat mehem

Em segundo lugar, a primeira parte do capítulo mostra a visão e a segunda parte a explicação. Na primeira parte, a visão parece contar com três personagens: o carneiro, o bode e o chifre pequeno. Na segunda parte, quando o anjo explica a visão, diz que o carneiro é a Medo-Pérsia e o bode é a Grécia. Pela lógica, então, o rei de feroz catadura que ele cita depois da Grécia é o chifre pequeno. Ora, a narrativa não diz que esse rei surge das quatro divisões gregas. Apenas diz que ele surge e que isso ocorre ao fim dessas quatro divisões. Isso se coaduna com Roma, que surge de outro lugar e põe termo ao domínio grego. Não se coaduna, no entanto, com Antíoco, que surge de uma das quatro divisões e não ocorre no fim delas, mas durante.

Em terceiro lugar, o tempo de perseguição e profanação do templo por Antíoco também não bate a duração profetizada (2300 tardes e manhãs). A esse respeito, vamos ler o que cada vertente diz. Calvino afirma que “temos de entender aqui dias naturais, consistindo de vinte e quatro horas cada um. Os que o entendem como sendo anos e meses estão miseravelmente equivocados, e até ridículos em seus cálculos”. Ele descreve, na sequencia, hebreus que entendiam o período como 2300 anos e tentavam iniciar essa contagem no período de Samuel, Saul e Davi. Calvino questiona: “Com que propósito, pois, esses intérpretes falam dos reinados de Saul e Davi? Percebemos ser isso totalmente estranho e adverso à intenção de Cristo e ao uso desta profecia”.

Para Calvino, o propósito de Cristo era alertar aos judeus sobre os problemas que Antíoco causaria. E uma vez que, para ele, “impossível é explicar esta profecia de outra forma que não aponte para Antíoco”, então devemos entender que “Cristo computa 2.300 dias para a profanação do santuário [por Antíoco], e esse período compreende seis anos e cerca de quatro meses”. Ele dirá ainda que analisando o livro de Macabeus, podemos ver que foi exatamente esse período em que os judeus ficaram nas mãos de Antíoco.

Os Calvinistas da Nova Bíblia de Estudo Genebra não parecem ter tanta certeza desse fato. Podemos ler:

“Alguns intérpretes entendem simplesmente como uma referência para a tarde e a manhã sacrifícios como ofertas separadas (cf. Êx. 29:38-42). Nesta base, representaria 1.150 dias […]. Outros entendem simplesmente como uma expressão para 2.300 dias. Como as perseguições por Antíoco IV poderiam estar relacionada com qualquer um de uma série de incidentes começando tão cedo quanto 171 AC e terminando com a reinauguração do templo em 164 AC , é difícil dizer qual o entendimento da frase deve ser preferido”.

O Comentário Bíblico Moody reflete essa variedade de opinião: “Os 2.300 dias são literalmente, manhãs-e-tardes, isto é, os holocaustos das manhãs e das tardes, e assim se referem na realidade a apenas 1.150 dias. Parecem se referir ao período de 168-165 A.C. quando o Templo foi profanado pelos sacrifícios pagãos”.

A Bíblia de Jerusalém não fica atrás nesse quesito: “Portanto, dois mil e trezentos dias, ou então, mil cento e cinquenta dias, se a expressão visa aos dois sacrifícios cotidianos suspensos durante o tempo da perseguição. No entanto, ambos os números se afastam notavelmente dos três anos e meio (1260 dias) de [Daniel] 7:25 e o sentido permanece obscuro”.

Ora, se fosse tão indubitável (como cria Calvino) que os 2300 dias foram o tempo de privação dos judeus, não haveria razão para divergências e incertezas no meio de calvinistas, católicos e os mais diversos protestantes. Afinal, todos esses concordam que o chifre pequeno era Antíoco. As divergências e incertezas, no entanto, demonstram que é difícil encaixar as perseguições de Antíoco no período da profecia. E nós podemos ver essa dificuldade claramente quando vamos ao livro de I Macabeus. Como já vimos em outro tópico, conforme as passagens de I Macabeus 1:54-59 e 4:52-54, a profanação do templo durou exatamente três anos e dez dias. E antes disso, Antíoco já oprimia o povo desde dois anos antes (I Mb 1:20-53).

Se somamos os períodos, obtemos cinco anos e dez dias. Considerando um ano como uma unidade de 360 dias, teríamos 1810 dias, algo distante tanto de 2300 dias e de 1150 dias. Mesmo usando um ano de 365 dias, o panorama não seria muito distinto: teríamos 1835 dias. Se somarmos um ano a mais como “margem de erro”, ainda assim não resolvemos o problema. Chegamos a 2170 dias ou 2195 dias. Se usarmos só os três anos e dez dias, chegamos a 1090 dias ou 1105. Também não conseguimos nenhum valor que bata com a profecia se adicionarmos um mês a mais em um dos três anos (alguns anos judaicos apresentam um mês a mais). Assim, Antíoco não se encaixa na profecia.

Em quarto lugar, todo o livro de Daniel tem como alvo o “tempo do fim”. Como já vimos, nos capítulos 2 e 7, o interesse profético está na concretização do Reino de Cristo, após o juízo final. As visões perpassam toda a história até chegar neste ponto culminante. No capítulo 8, seguindo o mesmo molde, o anjo vai dizer que a visão se refere “ao tempo do fim” (Dn 8:17-19). No capítulo 9, as destruições determinadas vão até “o fim” (Dn 9:27). No capítulo 11, a ideia de “tempo do fim é repetida mais algumas vezes (Dn 11:27, 35 e 40). E no capítulo 12, a expressão aparece mais duas vezes (Dn 12:4 e 9). Aliás, o capítulo 12 ainda chega a falar sobre a ressurreição que, sabemos, só se dará no juízo final (Dn 12:2). Assim, não parece que o livro de Daniel está preocupado com algum tipo de fim relativo (o fim de uma era ou período dentro da história), mas do fim geral. E isso, mais uma vez, não permite que Antíoco seja o chifre pequeno, já que sua perseguição não se deu perto do fim.

Em quinto lugar, Antíoco é um indivíduo e os chifres, em Daniel, não são usados para indivíduos, mas para reinos. Por tudo isso, Antíoco não se encaixa na figura do chifre pequeno de Daniel 8.

Isaac Newton, nesse ponto, demonstra ser um exegeta mais atento que os demais. Ele afirma:

“Embora não muito judiciosamente, alguns tomam este chifre como sendo Antíoco Epifânio. Lembremos, entretanto, que um chifre da Besta nunca representa um indivíduo, mas um novo reino. E o reino de Antíoco era velho. Antíoco reinou sobre um dos quatro chifres e o pequeno era um quinto chifre e tinha seus reis próprios. Inicialmente era pequeno; depois tornou-se muito grande, o que não aconteceu com Antíoco; é mesmo descrito como se tendo tornado maior que os outros, o que não se deu com Antíoco; seu reino, ao contrário, era fraco e tributário dos Romanos; e ele não o ampliou. É dito que o chifre era ‘um rei arrogante, que destruía muitíssimos e prosperava em suas práticas contra o povo eleito’; mas Antíoco foi enxotado do Egito por uma simples mensagem dos Romanos e logo depois derrotado e desfeiteado pelos Judeus. O chifre era forte devido a um outro poder, enquanto Antíoco agia por conta própria. O chifre elevou-se contra o Príncipe DA FORÇA DO CÉU, o Príncipe dos Príncipes, o que caracteriza uma atitude própria de Anticristo, e não Antíoco. O chifre derrubou o Santuário, e Antíoco não fez nada disto; ao contrário, deixou-o de pé.

O Santuário e o Messias foram calcados aos pés durante 2300 dias; mas nas profecias de Daniel os dias representam anos e, por outro lado, a profanação do Templo no reino de Antíoco não durou tantos dias naturais. Estes deveriam durar até o fim, até o extremo da indignação contra os Judeus. E esta ainda não chegou ao seu termo. Deveriam durar enquanto o Santuário derrubado não fosse purificado: e o Santuário não o foi ainda”.

Quem era então o chifre pequeno para Newton? O físico chegou perto de elucidar a questão. Errou por um detalhe. Newton entendia, à semelhança dos demais protestantes, que o chifre pequeno saiu de um dos quatro chifres do bode (as quatro divisões da Grécia). Mas não era um novo chifre. Era um dos quatro que se tornava mais forte. Era a divisão do império romano que ficou com o general Cassandro, quando Alexandre o Grande morreu: a Macedônia. Newton diz: “Este pequeno chifre foi o reino da Macedônia, desde que ficou sujeito aos Romanos”. A Macedônia cresceu sobre os demais e depois acabou se tornando província romana em 148 d.C. Newton continua:

“Em consequência, o último chifre do Bode [o chifre pequeno] continuou forte, sob a dominação romana, até o reinado de Constantino o Grande e de seus filhos. Então, pela divisão do Império Romano entre os Imperadores Grego e Latino, aquele se separou dos Latinos, tornando-se apenas o Império Grego, mas ainda sob o domínio de uma família romana. E então se torna forte sob o domínio dos Turcos”.

O problema da concepção de Newton é que ela não só se choca com o fato de que o chifre pequeno saiu de um dos quatro ventos (não de um dos quatro chifres), como também acaba mudando um pouco o estilo da profecia. Na profecia, quando um império era dominado por outro, passava a ser parte do outro. Assim, é mais natural falar que “a Macedônia se tornou parte do império romano e este último se tornou o novo império dominante da profecia” em vez de “a Macedônia continuou agindo sob domínio romano”. No fim das contas, Newton parece ter optado por essa interpretação apenas por crer que o chifre pequeno era um dos quatro chifres do bode. Ele se levou por uma má tradução.

Por tudo o que vimos até aqui, faz mais sentido interpretar que o chifre pequeno era Roma. Tal visão mantém a mesma estrutura das profecias do capítulo 2 e 7, considera que o chifre saiu de um dos quatro ventos (não de um dos quatro chifres) e se coaduna com os versos que colocam esse poder como oprimindo Israel e afrontando o Príncipe dos príncipes (Jesus). Além disso, se no capítulo 7 o papado é um chifre que surge de Roma, isso implica que “geneticamente” o papado faz parte da besta romana. Então, não seria surpresa que o capítulo 8 usasse o chifre para se referir à Roma tanto em sua fase pagã, como em sua fase católica, a qual continua viva mesmo após a fragmentação do império. Isso faz sentido histórico. Uma vez que a Igreja se romaniza e Roma se catequiza, é possível dizer que Roma pagã e Roma católica são a mesma besta. E uma vez que o papado surge do meio de Roma, ele carrega o “DNA” romano.

Em suma, o monstro que perseguiu judeus, judaísmo, cristãos e cristianismo, torna-se católico e, ao se desfazer como império, permanece como igreja. Essa igreja, ao continuar, por séculos, a perseguir judeus, judaísmo e cristãos que não se coadunam com ela, mantém o espírito romano vivo. Se essa interpretação está correta, resolvemos também a questão desse poder se estender até o tempo do fim. De fato, a Igreja Romana e o papado permanecem até hoje e provavelmente só serão destruídos quando Jesus voltar.

O tempo para a purificação (Dn 8:13-14)

Agora nos voltamos para a questão das 2300 tardes e manhãs. O que significam? Bom, já vimos que elas não podem significar os dias literais de perseguição e profanação do templo por Antíoco Epifânio. E essa parece ser a única hipótese que tanto católicos como a maioria dos protestantes conseguem pensar. Isaac Newton, no entanto, tem um pensamento diferente. Ele diz:

“Os dias de Daniel representam anos; e estes anos talvez possam ser contados desde a destruição do templo pelos Romanos, no reinado de Vespasiano, ou desde a contaminação do Santuário pela adoração de Júpiter Olímpico, ou da desolação da Judéia, no fim da guerra judaica, isto é, pelo banimento de todos os Judeus de seu país, ou, finalmente, partindo de qualquer outro período que o tempo descobrirá”.

Como já vimos, Newton acerta no reconhecimento de que o chifre pequeno não poderia ser Antíoco. Também não está muito longe da verdade ao dizer que o chifre pequeno era a Macedônia sob poder de Roma. E está corretíssimo em ver os 2300 dias como 2300 anos, conforme já estudamos na segunda postagem dessa série. O problema maior de suas interpretações está no ponto de partida dos 2300 anos.

Newton raciocina que eles devem começar no momento em que o templo judaico sofre destruição. E deve terminar com sua reconstrução. Embora pareça fazer sentido à primeira vista, há problemas aqui. Em primeiro lugar, uma vez que 2300 anos certamente adentram a era cristã, não faz muito sentido supor que a profecia está preocupada principalmente com o templo judaico terreno. Sabemos que o templo era apenas um símbolo tanto de Jesus Cristo (no sentido de ser um centro de expiação e de contato com Deus) como do verdadeiro santuário, o celeste (Jo 2:19-22; Hb 8:1-6 e 9:11-24; Ap 11:19, 14:15-17, 15:5-8, 16:17 e 21:22). Como depois da morte e ressurreição de Cristo, o sistema Levítico e seus símbolos alcançam seu término, é mais natural concluir que o foco da profecia não é o templo terreno, mas alguma coisa que remete ao templo celeste e à expiação provida por Cristo. Assim, não devemos procurar como ponto de partida a destruição do templo terreno.

Em segundo lugar, o texto não diz “quanto tempo durará a transgressão assoladora?”, mas sim “Até quando durará a visão do sacrifício diário e da transgressão assoladora, visão na qual é entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados?”. Isso abre duas possibilidades. A primeira é que o anjo que pergunta esteja se referindo especificamente à parte da visão em que a transgressão assoladora começa. A segunda é que o anjo esteja perguntando quanto tempo duraria a visão inteira do capítulo 8. Em outras palavras, do período Medo-Persa, período do qual Daniel já estava bem próximo, até a purificação do santuário (passando por toda a abominação), quanto tempo levaria?

É bem plausível que o sentido da segunda hipótese seja o correto. Primeiro porque como o que mais chamava a atenção na visão era a transgressão assoladora, era natural que o anjo se referisse à visão inteira fazendo menção a essa parte principal. Segundo porque o templo já se encontrava destruído à época. Então, por aquela visão, entendia-se que o templo seria reconstruído e depois destruído/profanado de novo. E, sendo assim, era natural querer saber quanto tempo demoraria a partir dali para que finalmente a purificação fosse eterna.

A resposta, portanto, dava ao profeta a possibilidade de tentar calcular o tempo a partir do império Medo-Persa, o império que em breve conquistaria a Babilônia (ainda durante a vida do profeta). Por essa perspectiva, o tempo da transgressão assoladora não dura os 2300 anos, mas sim uma parte dos 2300 anos. Os 2300 anos se iniciam em algum ponto do domínio Medo-Persa. A transgressão assoladora vem depois, mas ainda dentro do período de 2300 anos. De fato, Daniel 9 segue esse roteiro, mostrando que o templo seria construído, o Messias viria 490 anos depois (veremos isso em outra postagem) e um período depois o templo seria destruído outra vez. Jesus, por sua vez, confirma que a transgressão assoladora ainda estava por vir (Mt 24:15).

Em terceiro lugar, os termos originais hebraicos fazem uma diferenciação entre a visão como um todo e a parte específica das 2300 tardes e manhãs. A palavra traduzida para visão nos versos 1, 2 e 15, que se referem à visão como um todo, é o termo hebraico hazon. É o mesmo termo usado no verso 13, indicando que a pergunta tinha a ver com a visão como um todo. No verso 16, Gabriel é chamado para explicar a mareh, outro termo hebraico para visão. Mas no verso 17, Gabriel diz que está explicando a hazon. O que dá a entender é que enquanto hazon se refere à visão como um todo, mareh se refere a uma parte da visão, presumivelmente a parte mais relevante, a qual deve ser a das 2300 tardes e manhãs. Se isso estiver certo, é plausível concluir que o anjo é chamado para explicar a mareh, mas para isso, precisa primeiro explicar toda a hazon.

O texto segue justamente esse padrão. Gabriel explica a visão desde o Carneiro e o Bode, passando em seguida para o rei de feroz catadura (que, pela lógica, é o chifre pequeno). Feito isso, o anjo finaliza sua explicação nos versos 26. E esse verso é muito elucidativo. Ele diz: “A visão [mareh] da tarde e da manhã, que foi dita, é verdadeira; tu, porém, preserva a visão [hazon], porque se refere a dias ainda mui distantes”. Fica claro, portanto, que realmente mareh é a parte específica das 2300 tardes e manhãs, enquanto que hazon é a visão como um todo. No verso 27, Daniel confirma esse entendimento ao dizer: “Espantava-me com a visão [mareh], e não havia quem a entendesse”. Mareh era justamente a única parte que o anjo não tinha explicado.

Daí podemos concluir que quando um santo pergunta para o outro “Até quando durará a visão [hazon]…?”, está se referindo a toda a visão. Isso implica que as 2300 tardes e manhãs se iniciam em algum ponto do império Medo-Persa, pois a visão começa com esse império. Cabe perguntar: por que Gabriel não explicou a parte mais importante da visão, já que foi comissionado para isso? Provavelmente porque Gabriel dá a explicação tempos depois, conforme registrado em Daniel 9:20-23. Vamos ver isso melhor na próxima postagem.

Em quarto lugar, o capítulo 7 parece prover base para pensarmos que os 2300 anos terminam um pouco depois do fim dos 1260 anos. Isso porque os dois períodos chegam ao chamado “tempo do fim”. Além disso, se cada capítulo amplia e explica o anterior, então o julgamento feito ao quarto animal após os 1260 anos (Dn 7:9-14 e 26-27) é a purificação do santuário (Dn 8:9-14 e 23-26). E Daniel 7:25 deixa claro que o tribunal se assenta para julgar após os 1260 anos terem terminado. Assim, os 2300 anos devem terminar um pouco depois de 1798. Ora, isso bate exatamente com o que vimos no primeiro e segundo ponto. Se, por exemplo, os 2300 anos terminassem em 1798, teriam começado em 503 a.C., quando a Medo-Pérsia já havia dominado a Babilônia e a Grécia ainda estava por vir. Qualquer período até 339 a.C. (ano em que a Grécia domina a Medo-Pérsia) ainda poderia se encaixar aqui.

Em quinto lugar, o capítulo 9 de Daniel parece prover um ponto de partida para os 2300 anos, pois a visão das setenta semanas é tanto uma explicação da profecia dos 70 anos, como uma explicação da visão anterior (Dn 8:27 e 9:20-23). O texto mostra que as setenta semanas (490 anos) são um tempo cortado dentro dos 2300 anos para os judeus. E esse tempo deveria começar quando saísse a ordem para a reconstrução de Jerusalém e chegar até o Messias. O templo seria construído nesse período e destruído novamente depois. Essa visão era o que faltava para que Daniel entendesse como a reconstrução e posterior destruição do templo se encaixava nos 2300 anos. Pois bem, a ordem mais efetiva para a reconstrução saiu em 457 a.C., por Artaxerxes. De lá até Cristo são exatos 490 anos. Se uma visão explica e amplia a outra, é natural que esse seja o ponto de partida dos 2300 anos também. De fato, 457 a.C. ainda está dentro do período Medo-Persa. Assim, é uma data perfeitamente possível.

Em sexto lugar, se o que está em jogo principalmente não é a destruição do templo físico (embora, ele faça parte do cenário profético), mas sim um ataque espiritual ao poder expiatório de Cristo e ao santuário celestial, então é natural que o evento que finde os 2300 anos tenha a ver com o início de uma restauração de verdades referentes à expiação de Cristo, ao santuário e a algum tipo de juízo. Vamos analisar o texto para tentar tirar conclusões. É dito que o chifre pequeno se engrandeceria até o Príncipe do Exército, tiraria dele o sacrifício diário, deitaria abaixo o santuário, dominaria o sacrifício diário e o exército dos santos e jogaria a verdade por terra.

Ora, sabemos que Deus trabalhou com tipos (símbolos) para a obra da redenção em Israel. Assim, num sentido típico, tirar o sacrifico diário, deitar o santuário abaixo, receber nas mãos o exército [dos santos] e o sacrifício diário e deitar a verdade por terra se encaixam bem no que Roma (na fase imperial pagã) fez aos judeus no ano 70. Tudo isso, portanto, pode ter sido usado por Jesus como símbolo de realidades ainda mais profundas, o que explicaria Jesus Cristo falar dos dois eventos como uma coisa só (Mt 24:15-31).

Por sua vez, num sentido antítipo, tirar o sacrifício diário deve significar uma maneira de negar ou minimizar o sacrifício de Jesus Cristo e sua intercessão como único sumo-sacerdote. Deitar o santuário abaixo deve significar uma forma de negar ou minimizar as realidades ligadas ao santuário, como a Lei (Êx 25:16,21 e 31:18; Dt 10:1-5; I Rs 8:1-11; II Cr 5:2-10; Ap 19:11; Dn 7:25 e 8:11-14), o sumo-sacerdócio de Cristo (Hb 2:17, 4:14-15, 5:1-10, 6:20, 7:26-28 e 9:11) e o juízo de Deus (Lv 16:15-34 e 23:26-32; Dn 7:9-14,26-28 e 8:13-14,23-26). Tudo isso foi feito também por Roma (em sua fase católica). A destruição de Jerusalém, portanto, é a abominação desoladora apenas em um sentido típico, simbolizando uma abominação ainda maior que ocorreria séculos depois, advinda da mesma besta – Roma – só que em fase católica.

O motivo pelo qual o tipo e o antítipo são citados juntos parece ser que (1) nos dois casos o poder inimigo é Roma; (2) nos dois casos, tanto judeus (povo étnico de Deus) como cristãos (povo espiritual de Deus) são perseguidos; (3) nos dois casos, as raízes judaicas são solapadas e Roma é exaltada; (4) nos dois casos, o mesmo Cristo é afrontado. Assim, tipo e antítipo são costurados como eventos que possuem a mesma essência e atingem a mesma faixa de pessoas. Entretanto, o ponto principal não é o templo físico, mas as realidades espirituais representadas.

Vamos considerar, então, que todas essas observações estão corretas e que a contagem se iniciou em 457 a.C. Isso nos leva ao ano de 1844. Espera-se que nesse ano algum tipo de juízo começou no céu e que o reflexo disso na terra tenha sido a restauração de verdades relacionadas ao santuário celeste e o sacerdócio de Cristo.

Vamos deixar de lado, por enquanto, a questão de que evento seria esse e focar apenas nos 2300 anos da profecia e na data de 1844. Haveria outra forma de interpretar as 2300 tardes e manhãs? Podemos tentar. Como já vimos, alguns interpretam a expressão como significando 2300 sacrifícios. Como existia, de fato, um sacrifício da manhã e outro da tarde em cada dia, então a expressão seria equivalente a 1150 dias. Mas, nesse caso, a data de término seria em 694 d.C. Nesse período, a ICAR estava apenas começando seu período de maior supremacia. Além disso, é difícil dizer que isso já seria o chamado “tempo do fim”.

Deve-se notar ainda que há bastante evidência bíblica para entender a expressão tarde e manhã como um dia (Gn 1:5,8,13,19,23,31; Ex 27:21; Lv 23:32, 24:3; Nm 9:21). Mas não há qualquer passagem usando o termo tarde e manhã para se referir à sacrifícios. O que existe é passagens falando que dos sacrifícios dos “holocaustos da manhã e da tarde”, exatamente nesta ordem (Êx 29:39; Nm 28:4; I Cr 16:40; II Cr 2:4, 13:11, 31:3; Ed 3:3). Se empurrarmos o inicio da contagem para 339 a.C., a coisa não muda muita coisa. Chegamos a 812 d.C. E se desconsiderarmos que a profecia deveria começar no império Medo-Persa, usando a data do domínio romano sobre a Grécia (146 a.C.), a destruição de Jerusalém (70 d.C.) ou o inicio da supremacia papal (538 d.C.), teríamos as datas de 1004, 1220 e 1688, datas em que a Igreja Católica ainda detinha enorme poder.

Se usarmos 2300 anos, considerando os mesmos inícios acima, teríamos as seguintes datas: 1962, 2154, 2370 e 2838. Há vários problemas nessas datas. Para além do fato de elas terem início fora do período Medo-Persa, o término de todas elas se afasta bastante de 1798, quando a ICAR e o papado terminam o período de supremacia. O ano de 1844 é mais próximo e, portanto, parece se encaixar melhor com a íntima relação entre os dois capítulos proféticos. As datas também ultrapassam o começo da restauração do poder papal (Ap 13:3), que ocorre em 1929, quando o Papa recebe o Vaticano de Mussolini. Parece mais razoável supor que o inicio da “purificação do santuário” se dá no intervalo entre a “ferida mortal”, em 1798, e a “cura”, em 1929. A ferida mortal marca uma expectativa de juízo em relação a Roma e se une à expectativa de que esse juízo já está no horizonte de uma geração. A cura, por outro lado, marca a expectativa de “reação” por parte de Satanás e, conseqüente, preparação para a perseguição final.

Ademais, o capítulo 12 de Daniel (que ainda analisaremos em outra postagem) parece prover algumas relações numéricas entre as 2300 tardes e manhãs, o ano de 1798 e o ano de 1843. O verso 11 afirma que depois que o sacrifício diário fosse tirado e posta a abominação desoladora, haveria 1290 dias. Nós já vimos que a transgressão/abominação desoladora não dura os 2300 anos e começa, no mínimo, depois de Jesus. Já vimos ainda que a destruição do templo no ano 70 d.C. se encaixa melhor como tipo do que como o evento em si. Logo, a transgressão/abominação desoladora ainda estava por vir na história. Também vimos que as descrições do chifre pequeno dos capítulo 7 e 8 batem com a descrição do sistema romano/papal em seu período de supremacia, o qual tem fim em 1798. Então, é razoável supor que os 1290 dias sejam anos e terminem em 1798 da mesma maneira. É uma profecia relacionada com a dos 1260 dias. Se esse raciocínio está correto, então isso nos leva a uma nova data: 508. Seria este o inicio da abominação desoladora.

Mas o que aconteceu em 508? O rei Clóvis, da França, venceu para o papado a tribo dos Visigodos arianos. Isso consolidou uma aliança importante entre os francos e a igreja romana, e abriu portas para um maior poder do Papa. Vinte e seis anos depois, Justiniano venceria para o papado os Vândalos e, finalmente, em 538 (como já vimos na postagem passada), os Ostrogodos. Essa forte mescla entre igreja romana e poder temporal dá ao papado uma capacidade muito mais ampla de fixar heresias na cultura dos cristãos. O Império Romano do Ocidente, católico desde a época de Constantino, sucumbira em 476 d.C., deixando um vácuo de poder e um problema para a então igreja estatal. Agora, a igreja romana retomava esse poder (por meio de seus reis-tentáculos), vencia seus inimigos e impulsionava o Papa a uma influência que ele jamais tivera antes. O romanismo estava livre e poderoso para dominar o mundo. O Papado agora alcançara o santuário e estava pronto para ofuscar o sacrifício de Cristo, mudar tempos e Lei (em definitivo), perseguir quem quisesse e gerar ira divina para o tempo do fim.

O verso 12 complementa tudo isso dizendo que é feliz quem chega a 1335 dias. Por uma questão de contexto, é razoável supor que os 1335 dias sejam anos e tenham relação com os 1290 dias (anos). E é razoável supor que assim como os 2300 anos terminam um pouco depois de 1798 (segundo a profecia), os 1335 anos terminam um pouco depois de 1798 também. Por isso são felizes os que chegam lá. É como dizer: “Chegou no fim da supremacia papal? Ótimo! Mas tem algo ainda melhor vindo em alguns anos. Tomara que você chegue até lá”. Se esse for o caso, então os 1335 anos também se iniciam em 508. E isso leva exatamente ao ano de 1843, um ano antes de 1844. Seria coincidência a profecia levar ao derradeiro ano antes de 1844, que é a data que mais se encaixa em todas as profecias até aqui? Pouco provável. Tudo é muito preciso. Não a toa, diversos protestantes, em diversas partes do mundo, esperavam que algo grandioso aconteceria na década de 1840.

Mas o que, afinal, aconteceu nessa data? Para muitos, nada. Nenhum grande evento político, nenhum fenômeno natural de escala continental ou global, nenhum grande fenômeno sobrenatural visível. Nada. Inclusive, um movimento numeroso de cristãos que ficou conhecido como milerita, acreditava que o evento da profecia era a volta de Jesus. E ele não voltou. Talvez isso explique porque a maioria dos cristãos protestantes passou a desacreditar do historicismo e abraçar o futurismo. A pergunta é: a profecia implicava, necessariamente, um grande fenômeno político, natural ou sobrenatural? Não é o que os textos indicam. A profecia nos chama a atenção para uma purificação do santuário, que sabemos não ser o terreno. Essa purificação é uma resposta à transgressão desoladora causada pelo romanismo. Além disso, a profecia também nos chama atenção para um juízo no céu, o qual também envolve uma sentença para o romanismo. Pelos contextos e a estrutura do livro de Daniel, aparentemente, o juízo e a purificação são a mesma coisa. O que isso sugere?

Só há uma possibilidade aqui: o evento se refere ao inicio real de um juízo no céu que traz reflexos para a Terra. Por quê? Que tipos de reflexos? Ora, sem dúvida, restauração do que foi ofuscado, distorcido e/ou jogado por terra pelo romanismo. Então, o que quer que seja que o juízo divino julgará no céu (e nisso estará incluído a sentença do sistema romanista/papal), seu reflexo na Terra será um movimento de cristãos no sentido de restaurar verdades relacionadas à expiação, ao santuário e à Lei. Esse é o único sentido de purificação do santuário para além do próprio juízo realizado no céu. Assim, o que precisamos procurar em 1844 e na década de 1840 no geral, não é um grande evento político, natural ou sobrenatural visível. É um movimento espiritual que reflita um juízo iniciado no céu.

Curiosamente, o Apocalipse parece falar sobre isso. Apocalipse 10 fala sobre o livrinho doce que João come e se torna amargo no estômago (Ap 10:8-10). Esse talvez seja o livro de Daniel, cujo entendimento das profecias foi selado até o tempo do fim (Dn 12:4). O sabor doce pode se referir à esperança da volta de Jesus que muitos tiveram ao estudar as 2300 tardes e manhãs entre os séculos 18 e 19 (início do tempo do fim). O amargor no estômago foi a frustração de Jesus não voltar. A resposta dada a João (que representa tais pessoas na profecia) é interessante: “É necessário que ainda profetizes a respeito de muitos povos, nações, línguas e reis” (v. 11). Jesus não poderia voltar ali.

Sem tempo para respirar, Apocalipse 11:19 já nos fala que após os 1260 dias proféticos (42 meses, 3,5 tempos), o santuário celeste de Deus se abriria, e a arca da aliança seria vista. Então, no capítulo 14:6-12, três mensagens intimamente ligadas com Deus como Criador (o que remete a sábado e Lei – vs. 6-7), juízo (v. 7), Babilônia e Besta (que remetem ao romanismo – vs. 8-11) e mandamentos de Deus (vs. 12). Não parece ser coincidência. Algum movimento surgiu em 1844. Alguma coisa começou a ocorrer no céu. E isso tudo tem relação com a volta de Jesus. O que precisamos é apenas olhar para a história, achar esse movimento e comparar com a Bíblia Sagrada.

Resumo e Conclusão

Há, obviamente, unanimidade entre as interpretações a respeito do carneiro e do bode em Daniel 8, pois o texto bíblico revela suas identidades. A divisão do império romano também goza de concordância. Quanto ao chifre pequeno que surge após essas divisões, os católicos, os calvinistas e os protestantes em geral creem que se trata de Antíoco Epifânio. Vimos que por uma série de razões, Antíoco não se encaixa na profecia, como o fato de chifres não representarem indivíduos, o chifre pequeno não ter saído dos quatro chifres (mas dos quatro ventos), Antíoco não fazer parte do tempo do fim, a estrutura de Daniel favorecer Roma (sobretudo na fase papal) como chifre pequeno, entre outros. Além do mais, a profecia das 2300 tardes e manhãs não consegue enquadrar no tempo de perseguição promovido por Antíoco em Israel. Por essa razão mesma, há divergência e incerteza entre todos esses intérpretes a respeito do sentido numérico dessa profecia.

Isaac Newton se diferencia de todos esses comentaristas analisados por entender as 2300 tardes e manhãs como anos e o chifre pequeno como a Macedônia em sua forma romana. Newton é mais coerente biblicamente, mas comete falhas como a de enxergar a purificação do santuário como envolvendo o templo físico de Israel. Ademais, ele não percebe a necessidade contextual de colocar o inicio dos 2300 anos como ocorrendo no Império Medo-Persa.

Por essas e outras razões trabalhadas, concluímos que Roma é quem se encaixa na profecia, que as 2300 tardes e manhãs são anos, que elas começam em 457 a.C., terminam em 1844 e marcam uma purificação/juízo que ocorre no céu e se reflete na Terra. A análise de Daniel 7 e 8 nos faz concluir ainda que essa purificação/juízo tem a ver com questões relacionadas à expiação de Cristo, santuário celeste, Lei e sentença do romanismo. Apocalipse 10, 11 e 14 parecem apoiar essas conclusões.

Como a Igreja Adventista interpreta? Ela faz todo esse percurso de identificar o chifre pequeno como Roma, as 2300 tardes e manhãs como anos, o inicio da contagem no período persa, no ano 457 a.C., o término em 1844 e a concepção de que algo ocorreria nesse ano, no céu, com reflexo na Terra. Mas ela vai além e expõe mais informações desse grande evento à luz de um estudo integrado das Escrituras.

Basicamente, o estudo integrado parte do pressuposto que a Bíblia explica a si mesma em suas doutrinas e revelações básicas. Assim, a profecia da purificação do santuário, dada sua relevância para o mundo (do contrário, não seria revelada em profecia a Daniel), pode ser compreendida com base em outras passagens bíblicas.

Seguindo esse raciocínio, os primeiros adventistas a se debruçarem sobre o assunto se lembraram de uma relação entre o santuário real celeste e o terrestre (dos hebreus). A Bíblia diz que o santuário terrestre era um tipo (um símbolo) para o santuário celeste (Hb 8:1-5 e 9:23-24). Então é natural considerar que o juízo que começa lá, em 1844, é simbolizado por algum dos antigos rituais no santuário terreno. Ora, de fato, um desses rituais era o Yom Kippur, o Dia da Expiação, que era considerado também um dia de juízo divino. Exatamente nesse dia, o santuário era purificado dos pecados perdoados durante todo o ano. Era como se os pecados perdoados do povo fossem registrados no santuário. Esse registro era, então, apagado do próprio santuário ao fim do ano religioso judaico (Lv 16:15-34, 23:26-32; Hb 9:1-10).

Em nossa realidade pós-sacrifício de Cristo, isso parece significar que Jesus nos purifica diariamente (o pecado é perdoado) e, em algum momento da história, passa a jogar fora os registros de pecados. Isso não significa que antes de jogar fora não estavam perdoados. A questão tem mais a ver com transparência. Os registros de atos são abertos em juízo (Dn 7:9-10; Ec 12:13-14; Ap 20:11-15) para que anjos constatem a justificação ou não de cada pessoa por Jesus Cristo. Essa também é uma forma simbólica de limpar o santuário dos pecados. E, claro, assinala o inicio dos juízos finais de Deus sobre a humanidade. Ou seja, parece que Deus fez coincidir o inicio dos juízos finais sobre todos (bem como a purificação do santuário celeste) com o inicio dos juízos sobre Roma e o conseqüente reflexo disso na terra. E qual foi esse reflexo? Um conjunto de cristãos, nesse ano, entendeu a que se referia essa profecia e passou a desenvolver um movimento que restaurava questões relacionadas justamente à Lei, ao sacrifício de Cristo e ao juízo. Esse grupo gerou os adventistas do sétimo dia.

Parece soberbo os adventistas se verem representados na profecia dos 2300 anos? Sim, parece. Eu não sou adventista de berço. Sou de família cristã protestante e um cristão desde criança. Sei qual é a sensação de muitos quando ouvem esse tipo de coisa, pois também foi estranho (e até odioso) para mim no início. O que eu sempre digo, no entanto, é: e quando o que parece soberba é verdade? Continua sendo soberba? No fim das contas, não há soberba no simples ato de dizer a verdade (ou mesmo de achar estar dizendo a verdade). A soberba está no que escolhemos fazer com a verdade. Podemos aceitá-la com humildade e espírito de servidão a Deus. Ou podemos aceitá-la com orgulho, misturando-a a distorções, ideias próprias, tradições humanas e falta de amor.

A representação nas profecias não implica que quem não é da IASD não é cristão, ou que a salvação depende de ser um adventista do sétimo dia, ou que Deus não usa pessoas de outras igrejas. Implica apenas que Deus tem uma ferramenta entre cristãos para reafirmar algumas verdades esquecidas. Isso não é incomum. Pedro Valdo foi levantado por Deus. John Wycliff foi levantado por Deus. Lutero foi levantado por Deus. Isso não implica que só luteranos, ou wycliffianos ou valdenses são cristãos e se salvarão. Da mesma forma, a IASD foi levantada por Deus, porém não faz sentido vê-la como algo mais que um simples instrumento útil para todos os cristãos que amam a Palavra de Deus.

A suma de tudo aqui é: as mensagens são mais importantes que o movimento em si. E a aceitação delas por um cristão independe de ele ter seu nome gravado em um livro terreno de membros. Todas as igrejas que se guiam pela Sola Scriptura, aliás, são livres para, após avaliar a Palavra de Deus, modificar pontos de sua doutrina que descobriram estar errados. Já vi com meus próprios olhos isso ocorrer com uma igreja evangélica (no Rio de Janeiro) que antes não era sabatista. Passou a ser. Isso é um sinal de consciência cativa à Palavra de Deus. E é isso o que importa a todos nós. Soli Deo Gloria!

Na próxima postagem, vamos analisar o capítulo 9 de Daniel, que possui a profecia das 70 semanas. Continue acompanhando!

Por Davi Caldas

Fonte: Reação Adventista

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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