Para os filhos de Deus, a dor do luto dará lugar a um feliz reencontro e um novo amanhecer que será eterno.
A morte é uma triste experiência pela qual a humanidade passa. É o salário do pecado (Rm 6:23) e conflita com o desejo humano de permanência. Como afirmou S. Júlio Schwantes: “A transitoriedade das glórias terrestres e a vã esperança de permanência acalentada em todo coração, constituem melancólico contraste. A inevitabilidade da morte lança um véu sombrio sobre os sonhos mais dourados” (O Despontar de uma Nova Era, p. 269).
Fabrício, um jovem cristão, trabalhava numa empresa de informática. Por sua conduta ética, tinha boa reputação no ambiente de trabalho. Certo dia, ele recebeu uma ligação telefônica comunicando que sua mãe havia se sentido mal e estava hospitalizada. Depois de alguns dias, veio o diagnóstico: a mãe dele tinha um tumor maligno em estado bem avançado. Iniciava-se longo período de tristeza e dor para aquele jovem!
Na empresa, as chamadas telefônicas eram um tormento para ele, pois sua estrutura emocional estava abalada. Por fim, em uma das visitas ao hospital, o médico informou à família que o caso era extremo e que a morte era praticamente inevitável.
Depois de muito sofrimento, a mãe de Fabrício faleceu. Pela primeira vez, ele enfrentava dor e tristeza causadas pela morte de um ente que lhe era tão querido. Na cerimônia fúnebre, algumas perguntas vieram-lhe à mente: O que é a morte? Por que temos de morrer? Isso terá fim algum dia? Enquanto isso, o oficiante procurava confortar os enlutados com a esperança da manhã da ressurreição.
A história de Fabrício reflete o drama de milhões de seres humanos. Paulo diz: “Irmãos, não queremos, que vocês sejam ignorantes quanto aos que dormem, para que não se entristeçam como os outros, que não têm esperança” (1Ts 4:13, NVI).
Desde o dia em que nossos primeiros pais ouviram a sentença: “até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3:19), a humanidade tem convivido com esse drama cuja contagem regressiva começa no instante em que o ser humano nasce. O apóstolo Paulo afirmou: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5:12). Ellen G. White comenta: “Daquele tempo em diante, o gênero humano seria afligido pelas tentações de Satanás. Uma vida de contínua labuta e ansiedade foi designada a Adão, em lugar do alegre e feliz labor que tivera até então. Estariam sujeitos ao desapontamento, pesares, dor, e finalmente à morte. Foram feitos do pó da terra, e ao pó deviam voltar” (História da Redenção, p. 40).
Aspectos linguísticos – O relato da criação do homem é fundamental para nossa compreensão do significado da morte. A Bíblia diz: “Formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gn 2:7). Nesse verso, a expressão hebraica empregada para alma vivente é nephesh hayyâh, que também é aplicada aos demais seres viventes (cf Gn 1:20, 24; 2:19; 9:10, 12, 15).
O substantivo nephesh vem do verbo nâphash, que significa respirar, tomar alento, restaurar-se (ver Dicionário Vine, p. 35). Basicamente, nephesh significa um ser vivente. Em se tratando do homem, o termo se aplica a toda a sua personalidade, com suas características e atribuições (cf Lv 17:10; 20:6; 22:6; 23:29; 24:17; Ez 18:4). Hans Wolff afirma: “O homem não tem nephesh, mas é nephesh e vive como nephesh” (Antropologia do Antigo Testamento, p. 22). Quando Deus disse: “no dia em dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2:17), Ele falou para o homem como um todo, e não para duas entidades separadas.
A partir de então, a concepção bíblica de homem corresponde a uma unidade indivisível. A isso chamamos de concepção holística do homem. Ela aponta para um ser ou alma que respira e que, portanto, tem vida. Assim, não há meio termo: ou o indivíduo está vivo ou está morto. Samuele Bacchiocchi afirma: “O ponto de vista holístico da natureza humana tornou possível aos autores bíblicos ver o corpo e a alma como expressões do mesmo organismo” (Imortalidade ou Ressurreição?, p. 74).
Na criação, o homem se tornou alma ou ser vivente no momento em que Deus lhe soprou nas narinas o fôlego de vida. Quando a Bíblia descreve a morte, ela o faz mencionando o processo inverso, ou seja, o fôlego de vida se ausenta do corpo (cf Gn 3:19; Jó 34:14, 15; Sl 104:29; 146:4; Ec 12:7). Antes de receber o fôlego de vida, Adão era apenas um corpo inerte, destituído de significado. O corpo dele, inconsciente, já pressupõe o estado do homem na morte. Sem o fôlego de vida, o homem simplesmente inexiste.
Aspectos históricos – Da perspectiva histórica, os fundamentos da doutrina da imortalidade da alma foram lançados e, mediante a astúcia de Satanás, no Éden. Em Gênesis 3:4 e 5, lemos: “Disse a serpente à mulher: Certamente não morrerão. Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal” (NVI). Ellen G. White comenta: “O tentador insinuou que a advertência divina não devia ser efetivamente cumprida; destinava-se simplesmente a intimidá-los. Como seria possível morrerem eles? Não haviam comido da árvore da vida?” (Patriarcas e Profetas, p. 54).
No antigo Egito, a vida religiosa permeava diversos conceitos éticos, mas a maior parte de sua literatura era voltada principalmente para a vida após a morte. Práticas funerárias e monumentos dedicados aos mortos são evidências da crença e preocupação dos egípcios com a vida após a morte. (Ver Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 376.)
Os gregos também desenvolveram sua concepção a respeito da vida e da morte. No 5º século a.C., quando a filosofia estava florescendo, o tema da imortalidade da alma já era de expressão pública, por meio de Sócrates (470-399 a.C.) e de Platão (428-347 a.C.), principalmente no Fédon, obra filosófica escrita por Platão, na qual se relatam os últimos ensinamentos de Sócrates, antes de ele tomar cicuta por ter sido condenado à morte pelo Estado. Sócrates chegou a dizer que, por ocasião da morte, a alma é liberta do corpo impuro para viver de maneira independente, desobstruída” (ver Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 378). De fato, como escreveu Maria Lúcia A. Aranha, “a dicotomia corpo-consciência já aparece no pensamento grego no século 5 a.C., com Platão. Esse filósofo parte do pressuposto de que a alma, antes de se encarnar, teria vivido a contemplação do mundo das ideias” (Filosofando, Introdução à Filosofia, p. 311).
A influência greco-filosófica no cristianismo – Em Éfeso, Paulo advertiu a igreja com relação às heresias que certamente haveriam de conspirar contra a fé cristã (cf At 20:29, 30; Cl 2:8). Filosofias e conceitos equivocados permearam o Cristianismo já nos seus primórdios.
Alguns teólogos conhecidos como pais da igreja buscaram na filosofia grega conceitos que passaram a exercer significativa influência na teologia cristã. Por exemplo: com base nesses mesmos conceitos filosóficos, Orígenes (c. 200 d.C.), Agostinho, conhecido como o bispo de Hipona (354-430 d.C.), Tertuliano (160-240 d.C.) e outros contribuíram acentuadamente para a formação do que posteriormente se tornou conhecido como a doutrina do purgatório. O Dr. Siegfried Júlio Schwantes afirma: “A noção popular e indefinida da imortalidade da alma foi guindada por Platão, em seus Diálogos, ao nível de uma verdade eterna. Dos ensinos neoplatônicos de Plotino, essa noção se infiltrou na teologia cristã medieval e ainda colore o pensamento de muitos” (O Despontar de uma Nova Era, p. 250).
A culminação desse processo ocorre com Tomás de Aquino (1225-1274 d.C.), teólogo, filósofo e monge dominicano. Ele advogava a ideia de que a filosofia e a religião andavam juntas. “Para Tomás de Aquino, a continuidade da existência da alma após a morte era uma necessidade por causa da justiça na experiência humana, justiça que consiste em recompensa ou punição – o destino inevitável de cada alma incorpórea (Suma Teológica, 3 Suppl. 75. 1, 2). O componente que ainda restava ser desenvolvido para compor o quadro medieval da morte estava relacionado com a purificação da alma pela penitência. Desse modo, a Igreja Católica Romana impôs sobre os pecadores contritos uma obrigação ou penitência para purificá-los na preparação para receber a derradeira recompensa de Deus na ressurreição. As obras de penitências inacabadas nesta vida seriam concluídas depois da morte: “O castigo do purgatório tem a intenção de complementar a satisfação [da justiça divina] que não foi inteiramente concluída no corpo” (Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 380, 381). Citando E. Petavel em O Problema da Imortalidade, Ellen G. White acrescenta: “A teoria da imortalidade da alma foi uma das falsidades que Roma tomou emprestada do paganismo, incorporando-a à religião da cristandade. Martinho Lutero classificou-a entre as ‘monstruosas fábulas que fazem parte do monturo romano dos decretos’” (O Grande Conflito, p. 549).
Conceitos modernos – No mundo evangélico predominam teorias errôneas sobre o estado do homem na morte. Por exemplo, o relato bíblico da parábola do rico e Lázaro, em Lucas 16:19-31, tem sido interpretado como prova de que há vida após a morte. Nessa parábola, Cristo enfatiza como ponto central o fato de que a salvação é estendida ao homem enquanto ele vive e pode exercer seu livre-arbítrio.
Em Lucas 23:43, Cristo concede ao ladrão plena certeza de salvação. Algumas traduções da Bíblia, nesse caso, parecem favorecer a ideia de vida após a morte. Todavia, é fundamental considerar o fato de que as cópias originais dos manuscritos do Novo Testamento até o 9º século não tinham um sistema de pontuação, como temos hoje. Wilson Paroschi afirma: “Omissões, inversões, repetições e outros equívocos são passíveis de ser cometidos em qualquer cópia manuscrita, e se o documento for de apreciável extensão, como é o caso da maioria dos livros do Novo Testamento, considera-se certo que duas cópias jamais sairiam exatamente iguais entre si, e que nenhuma delas seria totalmente idêntica ao original, ainda mais se o trabalho fosse feito por um escriba inexperiente” (Crítica Textual do Novo Testamento, p. 77). Além disso, o próprio Jesus não foi para o paraíso naquele mesmo dia (cf Mt 28:6; Jo 20:17). Paulo diz que a recompensa dos justos ocorrerá somente no dia final (cf 2Tm 4:7, 8).
Na sequência, Apocalipse 20:10 fala da destruição do Diabo, da besta e do falso profeta no lago de fogo; e completa: “e serão atormentados de dia e de noite, pelos séculos dos séculos”. Com base nesse texto, muitos têm advogado a ideia de que o fogo é inextinguível e, portanto, os pecadores sofrerão tormento eterno,
pressupondo, evidentemente, vida eterna nesse lago de fogo. Essas pessoas não entendem que Sodoma e Gomorra foram destruídas com fogo eterno (cf Jd 7) e se tornaram cinzas (cf 2Pe 2:6), indicando assim que elas foram completamente extintas.
O posicionamento e a esperança adventistas – Deus suscitou o movimento adventista nos últimos dias para restaurar as verdades lançadas por terra pelo poder do chifre pequeno (cf Dn 8:12). A imortalidade condicional da alma é uma delas.
Como adventistas do sétimo dia, cremos que o estado do homem na morte é de plena inconsciência (cf Ec 9:5). A morte é comparada ao sono (cf Jo 11:11-14).
O homem não mais retorna à sua casa para contato com familiares (cf Jó 7:9, 10). A ressurreição de Cristo é o penhor da ressurreição dos justos de todos os tempos e lugares (cf 1Ts 4:14, 16). A recompensa dos justos ocorrerá por ocasião do segundo advento de Cristo (cf 2Tm 4:7, 8; Ap 22:12).
Ao longo do tempo, o luto tem alcançado milhares dos filhos de Deus neste mundo. Familiares veem seus queridos descerem à sepultura. Para os filhos de Deus açoitados pela dor do luto, um novo amanhecer irá despontar. Estamos nos aproximando do grande dia em que os fiéis serão revestidos da imortalidade (cf 1Co 15:52-54).
“Que manhã gloriosa será a da ressurreição! Que cena maravilhosa se abrirá quando Cristo vier, para Se fazer admirado em todos os que creem! Todos os que passaram pela humilhação e pelos sofrimentos de Cristo serão participantes de Sua glória. Pela ressurreição de Cristo, todo santo crente que adormece em Jesus sairá, triunfante, de seu cárcere. Os santos ressurgidos proclamarão: ‘Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?’ (1Co 15:55, RC). […] Jesus Cristo triunfou sobre a morte e rompeu os grilhões do túmulo, e todos os que no túmulo dormem participarão da vitória; sairão das sepulturas, como fez o Vencedor” (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 271, 272).
Naquele dia, Fabrício e sua querida mãe se reencontrarão. Como disse Paulo: “Consolem-se uns aos outros com essas palavras” (1Ts 4:18, NVI).