Expectativa Apostólica

Os cristãos primitivos entendiam que a existência presente deve ser vivida em função da segunda vinda de Jesus.

É próprio do ser humano viver em constante expectativa. Como criaturas do tempo, não podemos escapar da sua fluência e das mudanças que resultam disso. O tempo passa por nós e através de nós, obrigando-nos a olhar para o que virá adiante. Mesmo quando olhamos para trás, estamos buscando nos reassentar e reorientar para enfrentar o futuro. Como resultado do modernismo, muitos intelectuais excluíram do pensamento as expectativas que transcendem nossa limitada existência humana. Porém, o princípio da expectativa teimosamente permanece agora circunscrito à tecnologia e à ciência como fontes que produzirão um mundo melhor para a humanidade. Infelizmente, para eles, toda esperança que não ultrapasse os limites da existência humana acaba em desespero.

Esperança e expectativa

No Novo Testamento, a palavra grega elpis significa “expectativa” e “esperança”, implicando que os crentes aguardam o que é bom em um mundo no qual aparentemente o mal prevalece. O apóstolo Paulo personificou a criação e declarou que ela e os seres humanos gemem e esperam em “ardente expectativa” (apekdechomai = “esperar zelosamente”) a consumação da redenção através de Cristo. Paulo se referiu a essa expectativa como “esperança” (Rm 8:19-25; Gl 5:5).

A vida, o ministério, a morte e a ressurreição de Jesus infundiram significado e esperança inauditos à existência humana. A comunidade de fé criada por Ele foi edificada no significado salvador e na eficácia da cruz, enquanto antecipava com grande expectativa a consumação da salvação. A igreja apostólica entendia que a existência presente deve ser caracterizada pelo anseio e ardente desejo pela presença real do Senhor em Sua gloriosa vinda. Esse senso de expectativa determinou tudo o que os cristãos primitivos faziam e exerceu grande impacto na vida deles.

Promessa e esperança

A confiabilidade e fidelidade de Deus são o ponto de partida para a esperança (Hb 10:23). Para os apóstolos, Cristo era o prometido Messias; portanto, o que eles proclamavam era a “esperança de Israel” que havia se tornado realidade em
Cristo (At 28:20). Promessa e esperança estavam juntas no discurso de Paulo diante de Agripa. Disse ele: “E, agora, estou sendo julgado por causa da esperança da promessa que por Deus foi feita a nossos pais” (At 26:6). Para os apóstolos, o fato de que as promessas salvíficas de Deus, relatadas no Antigo Testamento, tinham se tornado realidade em Cristo demonstrava que Deus é capaz de cumprir o que promete.

A indissolúvel conexão entre promessa e esperança é determinada pela origem divina comum a ambas e contribui para enriquecer o conteúdo de cada uma. Ambas nos alcançam através da Palavra. Teologicamente falando, podemos sugerir que, antes de a esperança se realizar na história humana, ela existe na forma de promessa divina. A Escritura, como portadora das promessas de Deus para nós, se tornou nossa fonte de esperança na forma de uma promessa, e une esperança à nossa fé e confiança em Deus (Rm 15:4; Gl 5:5).

Se a esperança está firmada na confiabilidade das promessas de Deus, a esperança cristã é a mais confiável esperança humana, porque Deus, de uma forma incomparável, demonstrou através do ministério, vida, morte e ressurreição de Jesus, que Ele cumpriu Sua mais audaciosa promessa para nós: salvação por meio do Seu Filho. A fé apostólica estabelece firme ligação entre a morte salvadora de Jesus e Sua segunda vinda: “Aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, o qual a Si mesmo Se deu por nós, a fim de nos remir de toda iniquidade…” (Tt 2:13, 14). Em outras palavras, a ligação entre a segunda vinda de Cristo e Sua morte sacrifical provê fundamento histórico e teológico para a esperança cristã que flui da confiabilidade das promessas de Deus e a fidelidade de Seu caráter (Hb 6:17-19). Tal esperança é um dom da graça divina para aqueles que dela necessitam (2Ts 2:16). A ausência dessa esperança no coração humano torna desesperadora a existência (Ef 2:12).

A certeza da esperança

A expectativa dos apóstolos quanto à vinda do Senhor nunca foi concebida por eles como um desejo vazio de certeza; uma utopia. No Novo Testamento, a esperança cristã é compreendida como “viva esperança” diretamente relacionada à ressurreição de Jesus (1Pe 1:3). A ligação da esperança com Jesus é tão forte que ambos estão mutuamente identificados – “Cristo Jesus, nossa esperança” (1Tm 1:1). As implicações disso são extremamente significativas e teologicamente ricas. A esperança não é algo que atualmente existe na mente humana como um sonho e uma expectativa. A esperança cristã é uma realidade fora de nós, que no futuro próximo irromperá com poder em nosso tempo e espaço mudando radicalmente a condição e o habitat humanos. Agora, ela nos “está preservada nos Céus” (Cl 1:5), mas então será uma realidade objetiva.

Como pode ser isso? A resposta apostólica é: O que esperamos e anelamos ardentemente já é uma realidade em Cristo Jesus. Em outras palavras, o Novo Testamento nos provê uma compreensão cristológica da esperança. Poucos exemplos são suficientes para apoiar essa sugestão. A esperança cristã prevê a ressurreição dos mortos, na segunda vinda (At 24:15), mas esse evento já aconteceu com um Ser humano, o Filho de Deus (At 2:32). Ele rompeu as cadeias da sepultura e, nesse processo, venceu o poder da morte. Podemos dizer que a ressurreição de Cristo antecipou nossa futura ressurreição: “Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em Sua companhia, os que dormem.. e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro” (1Ts 4:14, 16).

Não há incerteza na expressão apostólica da esperança cristã. Também esperamos por nossa glorificação, na vinda de nosso Senhor (Rm 5:2), seguros de que isso ocorrerá porque Deus ressuscitou Jesus e O glorificou (1Pe 1:21). Agora, Ele é nossa “esperança da glória” (Cl 1:27). O conteúdo da esperança apostólica inclui vida eterna (Tt 1:2; 3:7), mas no tempo presente nossa vida está escondida com Cristo em Deus: “Quando Cristo, que é nossa vida, Se manifestar, então, vós também sereis manifestados com Ele, em glória” (Cl 3:4). Vislumbramos uma nova Criação, mas Jesus já introduziu essa nova criação para aqueles que estão nEle (2Pe 3:13; Ap 21:1; 2Co 5:17; 1Pe 1:3). O conteúdo de nossa esperança é uma realidade objetiva em Cristo e no que Ele realizou por nós. A esperança apostólica não pertence ao campo dos sonhos humanos, mas está firmemente enraizada na obra e pessoa do Filho de Deus.

Na vida cristã

Por sua própria natureza, a esperança está direcionada para o futuro como o lugar do qual ela será desvelada para nós, dentro da nossa história. Mas, uma esperança que não faz diferença nas condições existentes da vida humana é desprovida de valor e significado. A esperança apostólica não se desliga das realidades do presente; ela corajosamente aborda essas realidades. Faz isso nos âmbitos pessoal e coletivo, mas também na interação social dos crentes com o mundo inteiro. Isso é indicado no Novo Testamento, através da associação do conceito de esperança com outras terminologias e outros conceitos.

Esperança e amor. Paulo declarou: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor” (1Co 13:13). A esperança não é incompatível com amor e fé, mas coexiste com ambos na vida cristã (1Ts 1:3). Não é incorreto dizer que os três são inseparáveis porque, por um lado, a esperança orienta a fé em direção ao futuro, desafiando-a a perseverar. Por outro lado, o amor desafia a esperança para agir no presente. A esperança não permite que o amor se torne obcecado por seus imediatos objetos, a ponto de esquecer a consumação da salvação. Mas, o amor torna a existência escatológica futura caracterizada pela libertação do egoísmo e sofrimento, e torna sua presença sentida aqui e agora no cuidado altruísta por outros (Hb 6:10, 11).

O modelo para esse tipo de vida é Jesus, que constantemente proclamava a vinda do reino de Deus como esperança escatológica enquanto, ao mesmo tempo, cuidava do pobre e do necessitado (Mt 4:23). Em Seu ministério, estavam presentes os elementos da expectativa escatológica, a fim de ilustrar a qualidade de vida no reino de Deus. Assim como a fé e a esperança, o amor (ágape) não é natural para os seres humanos. Ele foi derramado em nosso coração por meio do Espírito, e isso nos assegura de que nossa esperança não nos desapontará; ela será cumprida (Rm 5:5).

Esperança e santidade. A expectativa apostólica do breve retorno de Cristo une inquebrantavelmente esperança e santidade, indicando que a esperança deveria influenciar constantemente a vida dos crentes. João escreveu: “E a si mesmo se purifica todo o que nEle tem esta esperança, assim como Ele é puro” (1Jo 3:3). A esperança está tão profundamente entrelaçada com a vida dos crentes que ela os santifica, enquanto eles aguardam enternecidamente seu cumprimento. João define essa esperança como a expectativa de ser semelhante a Jesus e vê-Lo na parousia (1Jo 3:2). A implicação é que, para podermos ver Aquele que é puro, devemos ser puros. A esperança nos faz acreditar no Espírito, como Aquele que pode nos transformar à semelhança com o Filho de Deus (Mt 5:8). Estamos nos tornando, agora, no que seremos plenamente no futuro quando “seremos transformados” (1Co 15:52). A ligação entre esperança e santidade não é algo apenas restrito à nossa vida espiritual, mas também envolve o significado ético da esperança cristã (1Ts 5:5-8). Como disse Pedro, devemos “ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do dia de Deus” (2Pe 3:11, 12). A vida ética e moral daqueles que colocaram sua esperança em Jesus reflete a vida de seu Mestre.

Esperança e perseverança. A esperança também exerce impacto na qualidade de nossa vida interior, infundindo-nos coragem. Ela pode ser mudada por um ambiente hostil, mas é precisamente nesse contexto que a esperança inspira perseverança (1Ts 1:3). O que nós aguardamos ardentemente – a gloriosa vinda de Jesus – é um evento tão maravilhoso que nos motiva a perseverar. A palavra grega hupomoné expressa a ideia de permanecer fiel ao Senhor, mantendo a esperança, resistindo à opressão, aflição e tentação, enquanto esperamos Sua intervenção (Hb 3:6; 10:23). A força da esperança é tal que pode nos tornar inamovíveis em nosso compromisso com ela e com o Senhor (Cl 1:23). A força interior que a esperança provê aos crentes atesta sua realidade e seu significado em nossa jornada.

Esperança e alegria. A esperança toca a vida dos crentes e a enche de alegria. Paulo exorta a que nos gloriemos na esperança (Rm 5:2; 12:12). Existe algo a respeito da esperança cristã que, ao meditar sobre ela, o crente antecipa seu cumprimento e transborda de alegria. A esperança contém elementos do futuro no presente e começamos a experimentar, agora, a alegria que será nossa quando virmos nosso Senhor vindo em glória. De fato, essa alegria vem do “Deus da esperança” (Rm 15:13). Na Bíblia, a alegria define a natureza da vida na presença de Deus e substitui o sofrimento, tristeza e a dor da morte (Jd 24; Ap 19:7; 21:3-40; cf. Is 35; Jr 31:13). A esperança olha para aquele momento e nos permite antegozá-lo no presente.

Esperança e proclamação. A riqueza e a beleza da esperança apostólica não podem ser privilégio de poucos. A esperança é universal porque a necessidade humana é também universal. Por natureza, os seres humanos vivem sem esperança em um mundo de pecado e morte (Ef 2:12), mas Deus, em Sua graça,
deseja que todos desfrutemos plenitude de esperança. O cristão que recebeu, pela graça e através da obra do Espírito Santo, a esperança da consumação da salvação eterna na parousia é impelido a proclamá-la ao mundo. Ele foi escolhido por Deus para “dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre
os gentios, isto é, Cristo, a esperança da glória” (Cl 1:27).

A esperança cristã instila no coração a urgência de partilhá-la com aqueles que estão à deriva em um oceano de desespero. Os crentes são chamados a estar constantemente “preparados para responder a todo aquele que [lhes] pedir razão da esperança” que têm (1Pe 3:15). Mas isso deve ser feito “com mansidão e temor”, a fim de tornar cativante a esperança.

A expectativa escatológica dos apóstolos relacionada à gloriosa vinda de Cristo  continua a enriquecer a vida de milhões de pessoas em todo o mundo; pessoas que estão antecipando constantemente esse extraordinário evento. Essa esperança tem alterado radicalmente a vida delas, enchendo-a com significado e transformando-as em mensageiras de esperança. Para tais pessoas, a constante busca por esperança pode levar cura aos corações cheios de temor e ansiedade. Somos peregrinos de esperança, nos quais a riqueza dela tem sido incorporada em atos de amor e bondade, modelados por Aquele que de fato é nossa esperança – Jesus Cristo.

Ángel Manuel Rodriguez – Ex-diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Publicado na Revista Ministério de Jan/Fev – 2012.


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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