Os crentes no passado idílico da Igreja: um problema para o Evangelho

Muitos cristãos tem uma visão extremamente romântica da Igreja primitiva (algo que já tratamos aqui). Creem que os crentes do primeiro século não “gastavam tempo com embates teológicos”, “nem ficavam criticando os outros”, mas apenas pregavam o evangelho e amavam o próximo. Portanto, nós deveríamos agir da mesma maneira. O problema dessa visão romântica é apenas um: ela é falsa.

A Igreja do primeiro século tinha muitos problemas de cunho teológico. E isso resultava em diversos embates e críticas ferrenhas. Boa parte do conteúdo do Novo Testamento é repreensão e crítica, aliás. Tomemos alguns exemplos.

Em Romanos 1, Paulo fala mal da idolatria e da imoralidade dos povos. Em Romanos 2, critica judeus crentes que se consideravam superiores aos gentios. Em Romanos 9-11, critica judeus incrédulos. Em Romanos 14, critica as discussões por questões não-doutrinárias.

Em I Corintios 3, critica a imaturidade dos corintios e suas brigas internas. Nos capítulos 5 e 6, critica imoralidades dentro da Igreja e outros problemas. Nos capítulos 8 e 10, critica posições errôneas em relação a comida sacrificada a ídolos. No 9, faz uma defesa de si mesmo contra pessoas que o criticavam. Nos capítulos 11-14 critica problemas relacionados à ceia, à mulheres, aos dons espirituais e à ordem no culto. No 15, critica quem não acreditavam na ressurreição.

Em Gálatas, Paulo passa toda a carta criticando posturas teológicas errôneas. Em Colossenses, Paulo critica influencias gnósticas nos capítulos 1 e 2. Em I Timóteo, Paulo alerta contra falsas doutrinas (I Tm 1), a apostasia dos tempos vindouros (I Tm 4) e falsos mestres (I Tm 6). Em II Timóteo, torna a falar das corrupções dos últimos dias (II Tm 3). Em Tito também fala contra falsos mestres (Tt 1). Nas duas cartas, o apóstolo cita nominalmente pessoas que causaram grandes males ao evangelho e a Paulo (I Tm 1:20 e II Tm 4:14).

Tiago, nos capítulos 1 e 2 de sua epístola, ricos que eram soberbos, gente que não controlava a lingua e pessoas que diziam ter fé, mas não ajudavam o próximo. No capítulo 3, volta a criticar quem não controlava a lingua. No capítulo 4, critica a cobiça, a inveja e os prazeres mundanos.

Pedro, em sua segunda epístola, dedica todo o capítulo 2 a falar contra falsos mestres. E no capítulo 3 critica incrédulos que zombavam da esperança na volta de Jesus.

João, em sua primeira epístola, alerta contra falsos profetas e anticristos nos capítulos 2 e 4. Faz o mesmo em sua segunda epístola. E na terceira, critica nominalmente um sujeito chamado Diótrefes (III Jo 1:9-11).

Judas também vai falar contra falsos mestres durante toda a sua carta. E Apocalipse vai contar com diversas repreensões, em especial nas cartas às sete Igrejas (Ap 2-3).

O leitor percebe quantos problemas? E nós nem citamos os constantes embates teológicos de Paulo nas sinagogas (descritos no livro de Atos) e as críticas do próprio Jesus, nos evangelhos, aos fariseus, a diversos pecados e à má teologia.

Fica patente, portanto, que não houve um passado idílico na Igreja. O evangelho sempre foi pregado juntamente com críticas aos erros teológicos e morais que surgiam. Os embates teológicos já existiam na era apostólica e não eram deixados de lado. Paulo passa boa parte de suas cartas, por exemplo, criticando quem queria impor a circuncisão aos gentios (Rm 2:25-29, 3:30, 4:9-12; I Co 7:18-19; Gl 2:12, 5:2-11 e 6:12-15; Ef 2:11; Fl 3:2-5; Cl 2:11-13, 3:11; Tt 1:10). Em dado momento, chega até a repreender Pedro publicamente por postura hipócrita (Gl 1:11-14). E incentiva a repreensão pública em alguns casos (I Tm 5:19-20).

Portanto, a ideia de que nós não devemos escrever críticas e repreensões a pecados e má teologias é um grande engodo. E há especial interesse de Satanás nesse engodo. Quando não falamos de algum assunto, o mundo se encarrega de falar. Mas, claro, com uma visão contrária à Bíblia, ao evangelho. E assim as pessoas são alcançadas por “outros evangelhos”. Os apóstolos lutaram muito para que isso não ocorresse. Tomavam a dianteira para combater as distorções e manter conhecida a verdadeira doutrina. Não temos o direito de agir diferente. Pregação do evangelho e ensino de boa teologia implica necessariamente crítica e repreensão aos falsos evangelhos e às más teologias. Mesmo que, para isso, vez ou outra, seja preciso criticar pessoas por nome.

Por Davi Caldas

Fonte: Reação Adventista

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Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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