Seria a Apologética inútil para o Evangelho?

 

Depois de dizer que sua bússola moral não é a Bíblia e que nós, do Reação Adventista, somos “bibliólatras“, a nova pérola da página “[…] Subversivo” é sobre a Apologética:

Será mesmo? Vamos analisar.

A palavra Apologética vem do termo grego Apologia. Ela deriva dos termos “Apo”, que significa “de”, e “Logos”, que pode significar “palavra”, “lógica”, “raciocínio inteligente”, “estudo”, entre outras. Segundo a “Concordância Exaustiva de Strong”, Apologia podia ter o sentido de “uma resposta bem fundamentada; uma resposta pensada para abordar adequadamente o(s) problema(s) levantado(s)” ou de “uma defesa legal em um tribunal antigo”.

No Novo Testamento, a palavra é encontrada oito vezes. Em três, o termo está relacionado intimamente a uma defesa do evangelho. Vejamos:

“[…] antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder [ἀπολογίαν-Apologian] a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (I Pd 3:15).

“Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus. Aliás, é justo que eu assim pense de todos vós, porque vos trago no coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa [ἀπολογίᾳ-Apologia] e confirmação do evangelho, pois todos sois participantes da graça comigo” (Fl 1:6-7).

“Alguns, efetivamente, proclamam a Cristo por inveja e porfia; outros, porém, o fazem de boa vontade; estes, por amor, sabendo que estou incumbido da defesa [ἀπολογίαν-Apologian] do evangelho” (Fl 1:15-16).

Das cinco restantes, quatro se relacionam a defesas de si mesmo que Paulo fez diante de acusações injustas. Uma dessas defesas foi feita diante Agripa (At 25:16), para o qual Paulo ofereceu argumentos para a fé no evangelho. Agripa chega a dizer, ao fim do discurso de Paulo: “Por pouco me persuades a me fazer cristão” (At 26:28).

Essa breve exposição nos leva a duas conclusões iniciais: (1) fazer uma defesa bem fundamentada do evangelho e da razão da esperança que há em nós era uma prática aprovada pelos apóstolos; e (2) Apologia era um termo usado para isso.

Mas o que seria uma defesa bem fundamentada do evangelho e da razão da esperança que há em nós? Os apóstolos e o próprio Jesus trabalharam com basicamente três linhas de argumentação: (1) cumprimento de profecias e tipologias da Bíblia Hebraica na vida e atos de Jesus (Mt 1:22-23, 2:15, 4:12-17, 8:17, 12:17-21, 21:4-5, 27:35; Lc 18:31-34 e 24:44; Jo 12:38, 19:36; At 8:26-40, 10:43, 13:16-52); (2) conformidade entre os ensinos de Jesus e a Bíblia Hebraica (Mt 5:17-20; At 24:10-21, 25:8-11, 26:21-28, 28:23-31; Rm 3:31, 9:1-6, 11:1-5; II Tm 3:14-17; II Pd 1:19-21); (3) suporte da mensagem por fatos concretos e públicos com testemunhas oculares confiáveis (At 2:32, 3:15, 10:34-42, 26:24-26; I Co 15:3-11; II Pd 1:16-19).

Para além dessas linhas principais, Paulo também sabia argumentar em linhas mais gerais, usando de raciocínio lógico e crenças comuns do público alvo que pudessem se coadunar com as Escrituras (At 17:16-33; Rm 1:18-32, 2:1-16).

Todos esses argumentos evidenciavam que a mensagem do evangelho era real. Eles davam plausibilidade à mensagem. E por que os apóstolos se preocupavam em mostrar para as pessoas a plausibilidade do evangelho? Primeiro, porque ninguém razoável crê em qualquer coisa sem ter boas razões para isso. Esse ceticismo prévio, além de ser uma característica humana natural e importante para nos proteger de falsidades e perigos, é uma postura instigada pela Bíblia. Salomão vai dizer: “O simples dá crédito a toda palavra, mas o prudente atenta para os seus passos” (Pv 14:15). E Lucas vai elogiar a postura dos bereianos por examinarem as Escrituras para verem se as coisas eram, de fato, como os apóstolos diziam (At 17:10-12). Então, era uma obrigação racional dos apóstolos mostrarem que o Evangelho era plausível, confiável.

Segundo, porque era importante fortalecer a fé dos conversos e prepará-los para também saberem defender o evangelho para os demais. Aliás, aqui há um ponto relevante: com a expansão do evangelho e o passar do tempo, os novos conversos teriam cada vez menos contato com os apóstolos até que todos eles morressem e o contato acabasse. Esse foi um dos motivos pelos quais escritos foram deixados. E os novos contextos que viriam após a morte dos apóstolos certamente trariam novos desafios à fé. Um deles seria o fato de que já não haveria testemunhas vivas de quando Jesus veio a terra e, posteriormente, nem mais testemunhas vivas de quando os apóstolos pregavam. Ou seja, os crentes precisavam ser bem preparados para quando esses contextos chegassem.

Tendo em vista que Apologética é justamente a área da teologia que se ocupa dessa defesa bem fundamentada do evangelho e tudo o que a ele está relacionado de alguma forma, perguntamos: em que a Apologética pode ser útil para o Evangelho nos dias de hoje? Vejamos.

Em primeiro lugar, a Apologética é útil para responder ou, no mínimo, trabalhar as dúvidas do cristão. Muitos pensam em Apologética como tendo a função primária de aprender a se sair bem em debates e convencer os outros. Mas isso é uma visão rasa e errônea. Antes de uma pessoa saber defender algo para outros ela primeiro precisa saber defender para si mesmo. Isso vale para qualquer área da vida. Assim sendo, a utilidade primária da Apologética não é aprender a debater ou convencer pessoas, mas sim saber lidar com os próprios questionamentos e dúvidas a respeito da Bíblia, da fé cristã e de Deus. O resultado disso é uma fé mais inteligente e firme.

Uma das razões de termos criado o Reação Adventista foi justamente a preocupação com muitos jovens que saem da Igreja ao entrarem na faculdade. Grande parte desses jovens afirma que tiveram dúvidas a respeito da Bíblia, da fé e de Deus, mas não foram respondidos de modo adequado pelo pastor, irmãos da igreja ou pais. Ao entrarem na faculdade, foram confrontados intelectualmente e acabaram se convencendo de que a fé bíblica não é verdadeira. Conhecemos diversas histórias assim. Muitos desses jovens serão alcançados por Deus muito tempo depois, tendo perdido anos se machucando no mundo, sendo usado pelo inimigo e fazendo falta na obra de Deus. Isso talvez fosse evitado se suas dúvidas tivessem sido tratadas devidamente.

Em segundo lugar, a Apologética é útil para formar cristãos mais capazes de ajudar seus irmãos que tem dúvidas. E o Reação Adventista também tem feito isso quase que todos os dias. Diversas pessoas entram em contato para tirar dúvidas e depois se mostram mais firmes na fé e gratos pelo auxílio. Colecionamos histórias até de batismos e de retornos para a Igreja que ocorreram por influência de nosso trabalho. Isso é muito gratificante.

Em terceiro lugar, a Apologética é útil porque, em alguns casos, o fator predominante para uma pessoa não crer no Evangelho, na Bíblia e até em Deus é a sensação de que não há boas evidências para crer. Então, usar a Apologética para desfazer essa sensação errônea pode ser uma chave de Deus para entrar no coração da pessoa e iniciar o processo de conversão. Há muitos casos na história de pessoas que foram “quebradas” por Deus através do intelecto, tal como C. S. Lewis, Lee Strobel e Francis Collins. Elas saíram do ateísmo e abraçaram o evangelho por causa da Apologética.

Esses casos não são maioria, é verdade. Isso acontece porque geralmente o fator preponderante para uma pessoa não crer não é intelectual. Às vezes, a descrença ocorre por traumas e mágoas. Às vezes, por falta de hábito. Às vezes por simplesmente não querer crer. Deus tratará a descrença de cada indivíduo de uma maneira. E não cabe a nós a tarefa de “converter”. Quem converte é o Espírito Santo, não nossos argumentos, por mais racionais que sejam. Os argumentos racionais só têm utilidade para abrir portas – isso quando o indivíduo realmente leva isso a sério. Abertas as portas, quem faz o trabalho de conversão é o Espírito. Como não sabemos do que cada um precisa, é obrigação nossa estarmos preparados para fazer uma boa defesa da fé.

Em quarto lugar, a Apologética é útil porque, em certo sentido, quando defendemos algo relacionado ao evangelho com boa fundamentação, por mais técnico que sejamos, isso não deixa de ser uma defesa. Alguns fazem uma distinção muito rígida entre Apologética e outras áreas da teologia, como exegese e hermenêutica. No entanto, se um exegeta explica de modo bem fundamentado porque interpreta a passagem X de tal maneira, ele está fazendo uma defesa (apologia) daquela interpretação. Se ela está certa, então concorda com o evangelho. E se concorda com o evangelho, então temos uma apologia em prol do evangelho.

É claro, alguém pode interpretar corretamente, mas não acreditar na realidade descrita pelo texto. Um ateu pode interpretar corretamente Atos 2 mesmo sem crer em Deus e no dom sobrenatural de falar outras línguas sem nunca ter aprendido. Mas quando se trata de um “cristão praticante”, uma exegese será uma apologia da interpretação proposta, da realidade descrita e, se correta, do evangelho verdadeiro. A separação, portanto, é um tanto quanto artificial. Ademais, um “cristão praticante” que se aplique no exercício da exegese, o faz com o fim de defender a interpretação correta, ainda que essa defesa só ocorra, num primeiro momento, em sua própria mente. Como já vimos, todo ponto defendido para outros é primeiramente defendido para si mesmo.

Ditas essas coisas, a pergunta deixa de ser se a Apologética é útil para o Evangelho e passa a ser: “Por que a página do Subversivo não gosta de Apologética?”. Eu postulo três possíveis razões.

Primeira: Apologética, para ela, provavelmente é sinônimo de tentativa de convencer pessoas debatendo com elas. De fato, se Apologética fosse isso, não seria muito útil mesmo. A maioria das pessoas que debatem um assunto importante não se convence por meio do debate. O debate geralmente serve mais para quem está assistindo e não tem uma posição definida. Ainda assim, é preciso ver muitos debates sobre um tema para poder ter certeza de que determinada posição é correta, já que muitas vezes o conteúdo de um debate é influenciado por questões como tempo, capacidade dos debatedores, formato da discussão, plateia, etc. No entanto, como já demonstrado, Apologética não é sinônimo de debate. Você pode usar Apologética para debater, mas o uso mais útil e primário dela não é esse.

Segunda: Apologética, para ela, provavelmente também é sinônimo de agressão e soberba. De fato, há apologistas agressivos e soberbos. Mas isso não é um problema da Apologética e sim do mau uso dela. Da mesma forma, há pessoas que creem na Bíblia, mas que tem péssimo caráter. Devemos culpar a Bíblia por isso? Claro que não. Nós lemos em I Pedro 3:15 que devemos fazer apologia da fé. Mas os versos seguintes nos dizem como isso deve ser feito:

“[…] fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo, porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal” (I Pd 3:16-17).

Ora, se isso é dito, originalmente, para pessoas que chegavam a agredir fisicamente os cristãos, quanto mais para pessoas que estão apenas debatendo ideias! Então, não é um problema da apologética o fato de haver pessoas que desconsideram a instrução inspirada do apóstolo Pedro.

Terceira: Apologética, eu já reparo tem uns anos, não é um tema muito simpatizado por cristãos teologicamente mais progressistas. Minha suposição é que o crente progressista não tem muito interesse em falar sobre coisas sem relação com seu ativismo social pró-pautas seculares e sua crítica generalizada aos membros da Igreja. Como a Apologética geralmente foca na área intelectual da fé, é pouco útil para o progressista. A falta de interesse, no entanto, frequentemente se torna antipatia quando a Apologética expõe erros nas pautas conduzidas pelos crentes progressistas (no conteúdo ou na forma) e se torna mais enfática contra determinados pecados contra os quais o progressismo tende a ser mais conivente (em nome do “amor”) ou até apoiar. Neste ponto, o progressista tende a ver a Apologética como meramente “defesa do tradicionalismo”.

Acredito que essas sejam as três razões pelas quais a página do Subversivo acredita que a Apologética é inútil para o Evangelho. Além de serem motivos ruins, eles acabam tendo efeito prático negativo até para a parte mais social do Evangelho. Por exemplo, a Apologética ajuda a resgatar a história de grandes indivíduos e movimentos cristãos que tiveram impacto social extremamente relevante na luta contra escravidão, racismo, machismo, miséria, prostituição infantil, opressão trabalhista, etc. Muitos movimentos seculares e anticristãos hoje que levantam essas bandeiras (e com um modo de agir totalmente antibíblico) eram, no passado, compostos por cristãos verdadeiros que tinham como única motivação o Evangelho.

Sem a Apologética, acreditamos na história recontada pelos movimentos seculares e passamos a tomá-los como modelos, em vez de nos inspirar em movimentos cristãos genuínos do passado que lutavam socialmente de modo muito mais bíblico. Quando deixamos o mundo seqüestrar pautas sociais que cristãos defenderam, vemos surgir três tipos de pessoas nocivas à Igreja: (1) cristãos que creem precisar complementar o Evangelho com algo para cuidarem do próximo, (2) cristãos que creem precisar sair da Igreja para cuidarem do próximo e (3) cristãos que creem não precisar cuidar do próximo. Os três grupos tem uma crença em comum: acham que as pautas sociais pertencem aos movimentos não cristãos. E assim deixam o mundo ditar como se deve cuidar do próximo.

A defesa racional do Evangelho não tem implicações apenas teóricas. As ideias têm consequências práticas. Se nós deixamos de defender (e exaltar) ideias verdadeiras e combater ideias falsas, as últimas crescerão e tomarão as mentes mais influentes. E quando isso ocorre, os problemas que sofremos são práticos. Portanto, a Apologética não só é útil para o Evangelho. Ela é essencial. E é por negligenciá-la que a Igreja tem sofrido muitos problemas desnecessários.

Por Davi Caldas

Fonte: Reação Adventista

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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