Série “Existência de Deus” – Parte 4: Argumento Moral

Vimos nas últimas postagens os argumentos cosmológico (parte 1 e parte 2) e o teleológico. O primeiro nos mostra a necessidade lógica de uma causa transcendente para o universo. O segundo observa a improbabilidade do surgimento de mecanismos complexos, estáveis, com finalidades e funcionais no universo, sem uma inteligência que os tenha conduzido propositalmente para tal estado.

´Em outras palavras, até aqui, através do raciocínio lógico e do respaldo de dados científicos, podemos constatar que existe um agente causador do universo (e dos seres que nele existem), atemporal, aespacial, imaterial, pessoal e inteligente.

O argumento que vamos estudar hoje, o argumento moral, não só ratifica que há um agente exterior ao universo e logicamente necessário ao mesmo, mas atribui a esse agente características que o aproximam um pouquinho mais do que as religiões chamam de Deus. Vamos vê-lo?

Introdução

Basicamente ele se propõe a dizer o seguinte:

(1) Se existem valores morais objetivos, existe uma fonte moral transcendente;
(2) Existem valores morais objetivos;
(3) Logo, há uma fonte moral transcendente.

Antes de começar a destrinchar o argumento, vamos definir os significados de “valores morais” e “valores morais objetivos” nessa postagem. Por “valores morais” queremos dizer senso do que é dever ou o entendimento do que é correto. Assim, julgamentos como: bem e mal, justo e injusto, certo e errado; atitudes como: dar água ao sedento, ajudar um acidentado, salvar uma vida; proibições como: não matar, não roubar, não mentir, não machucar; e também os valores atribuídos a uma vida, a um sorriso ou a uma lágrima, fazem parte do que definimos, nesta postagem, como valores morais.

Já, por “valores morais objetivos”, queremos dizer valores que não se baseiam em fatores subjetivos (isto é, particulares, individuais, relativos), mas sim em fatores objetivos (isto é, absolutos, imutáveis).

Agora, vamos destrinchar o argumento e responder às prováveis questões que irão surgir aqui.

Destrinchando o argumento: Premissa 1

De onde surgem os valores morais? Só há duas opções: ou eles surgem a partir de alguma fonte mutável ou de alguma fonte imutável. Há várias fontes mutáveis como tempo, espaço, cultura, opinião pessoal, sentimentos, pacto social e biologia. Se os valores morais provêm de qualquer uma dessas fontes, eles não são objetivos, mas subjetivos. Em outras palavras, eles podem mudar de acordo com variações que ocorram nessas fontes, já que as fontes são mutáveis. Assim, a natureza deles passa a ser subjetiva, isto é, pessoal. Não há nada transcendente e imutável que faça com esses valores sejam objetivamente válidos, uma inerência da realidade.

Para tornar mais claro: os cálculos matemáticos são uma inerência da realidade. Eles se baseiam na lógica, que é imutável. Desta forma, a afirmação 1 + 1 = 2 é objetiva e não subjetiva. Esta assertiva não depende de tempo, espaço, cultura, opinião pessoal, sentimentos, convenção social ou biologia. É uma verdade lógica, imutável, absoluta.

Disso se segue claramente que para os valores morais serem objetivos, tal como as equações matemáticas, eles precisam ser provenientes não de fontes mutáveis, mas de alguma fonte imutável que transcenda todas as fontes mutáveis mencionadas acima. Não se pode dizer, por exemplo, que matar um ser humano inocente ou violentar uma moça é algo objetivamente errado se este valor moral tiver como fonte a cultura, por exemplo. Porque em uma cultura esses dois atos podem ser errados e em outra não. Ademais, eu posso forjar a minha própria cultura e tentar disseminá-la. Assim, a questão se torna subjetiva.

Da mesma forma, esses dois atos não podem ser objetivamente errados se esse julgamento tiver como fonte a biologia. Alguns podem ter nascido com um instinto que julga isso errado. Mas outros podem nascer com um instinto que crê que isso é certo. Imagine, por exemplo, uma ilha em que todos nasceram psicopatas e, por isso, creem que matar por prazer é moralmente correto. Neste caso, realmente seria correto. Mas só enquanto os nascidos da ilha fossem psicopatas. Em outras palavras, a biologia é tão mutável quanto a cultura, o tempo, o lugar ou as opiniões pessoais.

Valores morais baseados em pacto social também não se tornam objetivos. O fato de uma sociedade julgar ser conveniente entender assassinato e estupro como atitudes moralmente erradas não faz dessas atitudes realmente erradas. Apenas mostra que a sociedade achou conveniente estabelecer assim. Uma sociedade também poderia achar conveniente que todos os seus membros andassem de azul. Isso não prova que andar de azul seja uma atitude objetivamente certa e que burlar isso seja um erro moral objetivo.

Assim sendo, a primeira premissa está correta. Se existem valores morais objetivos, eles precisam estar baseados em uma fonte moral transcendente, em uma fonte que está além de todos esses fatores mutáveis, o que justifica sua supremacia sobre todos os fatores. A equação 1 + 1 = 2 só está além do pacto social, por exemplo, porque não se baseia nele, mas na lógica. A equação é válida não porque a sociedade achou conveniente, mas porque ela é válida objetivamente. É uma inerência da realidade. E ainda que uma determinada sociedade, por conveniência, prefira dizer que 1 + 1 = 3, isso não vai mudar a equação real. O mesmo em relação à valores. Se eles são objetivos, se baseiam em uma fonte transcendente.

Destrinchando o argumento: Premissa 2

Mas será que realmente existem valores objetivos? Bom, embora isso não possa ser provado de maneira cabal, há indícios de que sim. Em todos os tempos e lugares, as pessoas sempre entenderam certas regras e valores como objetivos e não como mera questão de opinião ou como uma ilusão conveniente que a sociedade adotou. Por mais que se possa apontar diferenças entre os códigos éticos de cada sociedade ao longo do tempo, todas elas tiveram um fundo comum. Isso demonstra que, apesar dos desvios de diversos indivíduos e das diferenças de tempo, lugar, cultura, opiniões e estrutura biológica, uma espécie de moral geral tem se mantido mais ou menos uniforme desde os primórdios da humanidade.

Relativistas morais insistem que não existem valores absolutos, mas sim, pontos de vista diferentes. “Tudo é relativo”. Já ouvimos muito essa frase, não é? O problema é que os próprios relativistas valorizam o direito de fazer esta afirmação, por exemplo. Eles achariam errado e injusto que alguém reprimisse sua liberdade de expressão, o que não faz sentido se valores morais objetivos não existirem. Ademais, é muito pouco provável que um relativista seja relativista com relação ao estuprador de sua filha ou a um assaltante que matou toda a sua família, dizendo: “Não, não é errado. É apenas uma questão de opinião. Eles gostam de estuprar, roubar e matar. Eu não gosto”. O relativista tem noção de certo e errado, toma posições contra ou a favor de algo, defende e quer impor, tem opiniões e quer passá-las adiante. Mas se tudo é relativo e todo o valor é só questão de opinião, posicionar-se contra ou a favor de qualquer coisa não tem lógica.

Isso nos faz lembrar uma história interessante descrita no livro “Não tenho fé suficiente para ser ateu”, onde um aluno ateu faz um trabalho sobre relativismo, argumentando de maneira convincente que não existem verdades e valores absolutos, mas apenas opiniões diferentes.

“Eu gosto de chocolate e você de baunilha”, sustentava o aluno. O trabalho era digno de nota máxima, entregue na data certa, encapado e dentro dos moldes pedidos pelo professor. No entanto, a correção do trabalho surpreendeu o estudante. Bem grande, na capa, o professor colocou: “Nota F. Não gosto de capas azuis”. Obviamente o aluno vai reclamar, afirmando que aquilo era injusto, errado, antiético, imoral, que seu trabalho merecia uma nota A e etc. Contudo, o professor se defende com o próprio argumento do aluno, sustentando que não existem verdades e valores objetivos; é só questão de opinião.

Então, aparentemente existe um padrão objetivo de atitudes a serem seguidas pelo homem e que nos possibilita julgar o valor das coisas e saber o que é certo e o que é errado. São regras gerais que por algum motivo todo o ser humano deve seguir e que por algum motivo a grande maioria das pessoas concorda com a sua existência, consciente ou inconscientemente (ainda que se julgue um relativista). Se por um lado não podemos provar cabalmente a objetividade desses valores, por outro lado, também não há nenhuma razão para não crer neles. O fato de poucos estarem dispostos a realmente viverem como se não houvesse nenhum valor objetivo é um indício de que eles existem e não fomos projetados para negligenciar a todos.

Conclusão do argumento

Uma vez que se aceite as duas premissas (e não há razão para não aceitá-las), a conclusão é inevitável. Há uma fonte transcendente para os valores morais objetivos. Ela sobrepuja tempo, espaço, cultura, opiniões pessoais, sentimentos, convenções sociais e biologia. Assim, quando consideramos que a vida humana tem valor, ou que ajudar o fraco é algo bom, ou que a injustiça é algo ruim, ou que matar inocentes e violentar moças é errado, ou que devolver o dinheiro de alguém que perdeu é certo, estamos julgando com base em uma fonte moral transcendente. São julgamentos objetivos. Quando dizemos que o holocausto nazista foi algo terrível do ponto de vista moral ou que agressões movidas por preconceito (como a homossexuais, negros e mulheres) são inadmissíveis, estamos julgando com base em uma fonte moral transcendente. São julgamentos objetivos. Não se trata de opinião e nenhum fator vai mudar a realidade desses julgamentos.

Agora, repare: esse argumento conduz exatamente ao mesmo tipo de conclusão dos argumentos cosmológico e teleológico. A fonte da moral objetiva precisa transcender tempo, espaço, matéria e energia, tal como a causa primária do universo e o projetista de toda a natureza. Essa fonte moral também precisa ser pessoal, já que moralidade é um atributo pessoal. Pedras, terra, água, fogo não são entes morais. Movimentos mecânicos e aleatórios de átomos não possuem moralidade. Este é um atributo pertencente a seres pessoais. Logo, conclui-se que a fonte transcendente da moral é pessoal e sua natureza moral é imutável. Trata-se de um ser plena e intrinsecamente bom e justo.

Tradicionalmente monoteístas chamam este ser plenamente moral de Deus e entendem que Ele é o mesmo ser que projetou e causou o universo. Nada mais lógico. Um ser pessoal que tenha projetado e causado o universo, estando Ele além de tempo, espaço, matéria e energia, provavelmente é um ser onipotente. Uma vez que não pode haver mais que um ser onipotente (caso contrário, não haveria onipotência), então a fonte moral transcendente do universo só pode ser o mesmo ser que o projetou e causou. Até o momento, portanto, esses argumentos lógicos concluem exatamente aquilo que religiosos monoteístas têm dito há milênios.

Na próxima postagem, veremos algumas tentativas de refutação ao argumento moral. E na postagem subsequente, estudaremos sobre o argumento da razão.

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Posts da Série:

Parte 1: Argumento Cosmológico

Parte 2: Fugindo do óbvio

Parte 3: Argumento Teleológico

Parte 4: Argumento Moral

Parte 5: Um mundo amoral

Parte 6: Argumento da Razão

Parte 7: A possibilidade lógica de milagres

Parte 8: Argumento da Ressurreição

Por Davi Caldas

Fonte: Reação Adventista

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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