A Bíblia e a Homossexualidade – Parte 5: Idolatria e ritos orgíacos (Romanos 1:26-27)

Esse texto refuta a quinta parte da série proposta pela página “Adventista Subversivo”, a qual defende que a prática homossexual não é considerada um pecado pela Bíblia. O autor da refutação é o teólogo Isaac Malheiros. Para ler o texto refutado, clique aqui.

1. O problema não era fazer sexo contra a sua natureza

Adventista Subversivo escreveu que o problema é que as pessoas estavam fazendo sexo “contrário a sua natureza”. E que os homossexuais masculinos “nunca ‘deixaram a relação natural com a mulher’ (v.27), simplesmente porque isso nunca lhes foi natural”. Para o Subversivo, Paulo está falando apenas de pessoas que fazem sexo contra a orientação sexual com que nasceu: “Nos versos 26-27, vemos o abandono do seu desejo natural, do seu prazer natural a uma vida de prática sexual desumanizada”.

Porém, no texto não há essa ênfase no “sua”, como se o problema fosse uma suposta natureza individual de cada homem ou mulher. O texto grego nem possui a palavra “sua”, ele fala de uma natureza geral, não individual. Ele diz literalmente: “as mulheres deles mudaram o uso natural em [um uso] contrário à natureza”. Não há esse aspecto individualizado da “natureza”.

Se o problema fosse alguém ir contra a sua natureza, suas inclinações naturais, então qualquer um que sentisse um desejo sexual inato poderia reivindicar Rm 1:26-27 como passe-livre para dar vazão às suas inclinações naturais. Mesmo as piores parafilias (zoofilia, necrofilia) poderiam ser contempladas por essa interpretação, visto que o critério é o desejo sexual natural de cada um.[1]

2. O padrão não é a natureza de cada um, mas a criação divina

Contra o argumento do Adventista Subversivo, Rm 1:18-27 contém fortes ecos intertextuais com o relato da criação (Gn 1:26-30). E se usarmos a versão Septuaginta (LXX) como parâmetro, veremos que as expressões gregas usadas em Romanos 1 e Gênesis 1 e 2 são as mesmas.[2]

O problema em Romanos é assim resumido: “e adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador” (Rm 1:25), clara referência à ordem da Criação, onde “homens” feitos à “imagem” e “semelhança” de Deus (“macho” e “fêmea”) recebem o domínio sobre os “pássaros”, “quadrúpedes” e “répteis”.

Romanos apresenta uma inversão deste padrão: mudam a glória de Deus em “imagem” e “semelhança” de “homem corruptível”, bem como de “aves”, “quadrúpedes” e “répteis” (exatamente as mesma expressões usadas em Gênesis 1). O humano acaba adorando essas criaturas que ele deveria dominar, e abandona o uso natural do “macho” e da “fêmea”, servindo “a criatura ao invés do Criador”.

Portanto, o pano de fundo de Rm 1:20-27 é a ordem de Criação de Gênesis. O texto mostra como o desvio do design original não pode refletir a glória de Deus. Por isso, a palavra “natural” (physikos) referente à relação sexual não pode ser o que é natural para a pessoa que a pratica. Pelo contrário, significa o que é de acordo com a natureza das coisas como Deus a criou, e “antinatural” é o que é “contra a natureza” como Deus ordenou desde o início, pois o contexto imediato fala da “criação do mundo” (Rm 1:20, 26).

3. A teologia de Romanos não admite que a natureza humana seja o padrão

A sugestão do Adventista Subversivo soa absurda para quem está familiarizado com a teologia de Romanos: Paulo jamais usaria a natureza humana e seus desejos como padrão! Ao contrário, Romanos sustenta que a natureza humana é caída e pecaminosa, e seus desejos são contra a vontade de Deus (Rm 5:15-20, 7:7-23; cf. Gl 5:19-21): “Portanto, não permitam que o pecado continue dominando os seus corpos mortais, fazendo que vocês obedeçam aos seus desejos” (Rm 6:12).

Se a natureza de cada um, suas tendências e impulsos inatos fossem o padrão, Paulo teria que declarar correta a vida pecaminosa, pois o pecado também é um impulso inato (Rm 5:12-20; 7:7-23). Usar impulsos congênitos como padrão moral é um erro fatal! Mataria toda a teologia paulina a respeito do pecado e natureza humana.

 4. A “função natural” é o sexo heterossexual

Paulo fala daqueles que “trocaram funções [chrēsis] naturais [physikēn] por não-naturais (para physin)” (Rm 1:26). A palavra chrēsis significa “função” ou “uso” num sentido sexual. Ela só aparece no NT em Rm 1:26-27.

Paulo não está falando aqui de desejos naturais, mas de funções naturais, usando a criação como parâmetro. “Natural” não é determinado pelo que se deseja sexualmente, mas pelo design original.

Jesus esclareceu o relacionamento sexual natural, segundo a criação, como o relacionamento entre um macho e uma fêmea:

“Vocês não leram que, no princípio, o Criador ‘os fez homem e mulher’ [macho e fêmea], e disse: ‘Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’?” (Mt 19:4-5)

As palavras “natural” e “natureza” em Romanos referem-se ao estado original, e o “não natural” (para physin) é um enxerto (Rm 11:24), algo artificialmente provocado, diferente do estado em que aquela espécie foi criada (no caso, uma oliveira).

5. Homens e mulheres pecaram “semelhantemente”

As mulheres “mudaram o uso natural”, e os homens “abandonaram o uso natural”.[3] E o texto diz que as duas coisas são semelhantes (ὁμοίως, homoios, “semelhantemente”, v. 27), feitas da mesma forma, da mesma maneira. Ou seja, o pecado de homens e mulheres é semelhante.

Paulo geralmente usa homoios para conectar duas situações simétricas (cf. 1Co 7:3, 4, 22). Apesar de não ser uma prova incontestável, essa é uma forte evidência de que homens e mulheres estavam praticando o mesmo tipo de pecado. O que se aplica aos homens também se aplica às mulheres. A mulher trocou a função natural pelo não-natural. Os homens também abandonaram a função natural.

O “semelhantemente” refere-se ao abandono do sexo heterossexual natural, feito tanto pelos homens quanto pelas mulheres: a) Romanos 1:27 é claramente sexo entre homens; e b) Paulo compara tal sexo ao que era feito pelas mulheres.

Embora os atos “contra a natureza” possam incluir outras coisas a comparação em 1:26-27 usando “semelhantemente” é um forte argumento para a condenação do sexo homossexual, quer entre homens ou entre mulheres. Mesmo que haja outros exemplos de comportamento contra a natureza, isso não exclui o paralelo óbvio e simétrico de homens que fazem sexo com homens e mulheres que têm relações sexuais com mulheres.

A sugestão do Adventista Subversivo deixaria o texto sem a força da simetria lógica: “as mulheres praticavam zoofilia e incesto, da mesma forma, os homens estavam fazendo sexo com homens”. A comparação das mulheres que fazem sexo com mulheres, da mesma forma, homens que fazem sexo com homens, é certamente a leitura mais natural do texto.

6. A linguagem do texto é sexualmente polarizada: macho e fêmea

O texto usa as expressões “suas fêmeas” e “seus machos” (θήλειαι e ἄρσενες), em vez de “homens” e “mulheres” (γυναῖκες e ἄνδρες). Ao usar “macho e fêmea” em vez de “homem e mulher”, Romanos faz eco ao relato da Criação, e mostra que seu objetivo é fazer a distinção do sexo e da prática sexual de cada sexo. Claramente, há a prática sexual natural do macho, e a prática sexual natural da fêmea. O texto cita especificamente que o sexo natural do macho é com fêmea (Rm 1:27).

7. O problema não era apenas o sexo em rituais

Este texto é uma condenação da homossexualidade logo após sua exposição teológica sobre a revelação geral (v. 18-20). Ou seja, não se trata de um discurso restrito, aplicável apenas a algum canto da cultura greco-romana do século I. Paulo considerou o sexo homossexual como um problema naquela cultura, mas usou princípios atemporais para lidar com isso.

Paulo não está apenas descrevendo um culto pagão aqui, e sim um juízo de Deus:

Por isso [por causa da idolatria e da rejeição da verdade], Deus entregou tais homens à imundícia, […] para desonrarem o seu corpo entre si” (Rm 1:24).

Por causa disso [por causa da idolatria e da rejeição da verdade], Deus os entregou a paixões infames” (Rm 1:26)

“E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável […]” (Rm 1:28)

Há uma relação de causa-consequência, Deus revela sua ira entregando os pecadores impenitentes aos resultados finais de sua rebelião. Deus deixa o ser humano “andar na teimosia do seu coração; [que] siga os seus próprios conselhos” (Sl 81:12). Deus se afasta e os entrega à idolatria (At 7:42), permitindo que as pessoas andem “nos seus próprios caminhos” (At 14:16). Assim, em sua ira, Deus os entregou para fazer o que eles queriam: cometer “coisas inconvenientes”.

A sugestão do Adventista Subversivo desfaz a noção de causa-consequência: se o culto idólatra já era uma orgia que envolvia “rituais homossexuais”, então os “rituais homossexuais” não poderiam ser uma consequência adicional do culto idólatra. Paulo estaria, nesse caso, apenas informando o óbvio de maneira redundante: os cultos idólatras tinham sexo homossexual, por isso, eles farão sexo homossexual!

Além disso, se o problema sexual em Rm 1:26-27 fosse estar associado ao culto pagão, assim também deveriam ser entendidos todos os outros pecados mencionados em (v. 29-31), todas  as “coisas inconvenientes” (Rm 1:28). Assim, homicídio, por exemplo, estaria errado apenas por causa do vínculo com a idolatria.

O fato é que não há nada nesta passagem que limite esses atos ao confinamento de templos pagãos idólatras, ou que implica que os atos “vergonhosos” e “injustos” descritos são de alguma forma aceitáveis se não forem feitos como parte da adoração idólatra.

8. O texto fala sobre idolatria e também sobre todo pecado (inclusive o sexual).

Adventista Subversivo está certo sobre a passagem falar sobre idolatria, mas ele pressupõe que a passagem não pode falar simultaneamente sobre a idolatria e sobre o pecado em geral. O fato é que Paulo está dizendo que por causa da idolatria, “o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes” (Rm 1:28), que inclui não apenas os comportamentos homossexuais descritos (Rm 1:26-27), mas também a lista dos pecados em Rm 1:29-32.

É inegável que Paulo está discutindo a idolatria em Romanos 1. Mas o ponto de Paulo é que “a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustice” (Rm 1:18). A expressão é muito ampla, usando palavras bem abrangentes: toda impiedade (ἀσέβεια, asebeia) e perversão (ἀδικία, adikia), palavras que podem se referir à lista enorme de pecados que está no contexto: a imundícia, a desonra do corpo (Rm 1:24), as coisas inconvenientes (Rm 1:28), injustiça, malícia, avareza, maldade; inveja, homicídio, contenda, dolo, malignidade, difamação, calúnia, ódio de Deus, insolência, soberba, presunção, invenção de males, desobediência aos pais, insensatez, perfídia, e falta de afeição e misericórdia (Rm 1:29-31).

9. As relações são fruto de desejo mútuo, recíproco

A linguagem de Romanos sugere que as relações em questão são caracterizadas pela mutualidade, em vez de exploração. A frase “homens […] se inflamaram de paixão uns pelos outros [ἀλλήλους, allēlous]” (Rm 1:27) usa o termo grego allēlous, que indica uma reciprocidade, uma experiência compartilhada de desejo.[4]  Não era um mero cumprimento de um ritual religioso, mas sexo por prazer mútuo.

Além disso, o texto relaciona o sexo homossexual às “paixões vergonhosas” (πάθη ἀτιμίας, pathē atimias, Rm 1:26). No NT, pathos é paixão, especialmente de natureza sexual, lascívia (Cl 3:5; 1Ts 4:5). Não se trata apenas de uma obrigação formal de um ritual religioso.

Conclusão

Embora eu concorde que “nenhuma menção há sobre as relações homoafetivas e monogâmicas da sociedade atual”, o texto de Rm 1:26-27 é uma inequívoca condenação da prática homossexual em geral.

Referências:

[1] E em nada adiantaria o Subversivo dizer que essas práticas são patologias, visto que essa é uma classificação humana sujeita a revisões, pois a homossexualidade também já foi considerada uma parafilia patológica. Esse é o risco de retirar o padrão divino e substituí-lo pela subjetiva e volátil opinião humana.

[2] Romanos fala da “criação do mundo” (κτίσεως κόσμου), Gn 2:1 usa κόσμος para a criação em Gn 2:1. Romanos fala das “coisas criadas” (τοῖς ποιήμασιν), usando palavra relacionada ao verbo “criar” (ποιέω) usado em Gn 1:1. Romanos fala das “coisas invisíveis” (ἀόρατος) de Deus, mesma palavra que a LXX para descrever a terra em Gn 1:2. Romanos fala da “imagem” (εἰκόνος) e “semelhança” (ὁμοίωμα), exatamente a mesma expressão para “imagem” e “semelhança” em Gn 1:26. Romanos fala que a idolatria envolvia imagem e semelhança de “homem” (ἄνθρωπος), “aves” (πετεινόν), “quadrúpedes” (τετράπους) e “répteis” (ἑρπετόν). O relato da criação mostra a origem do “homem” (ἄνθρωπος), “aves” (πετεινόν), “quadrúpedes” (τετράπους) e “répteis” (ἑρπετόν), animais sobre os quais o homem deveria dominar (Gn 1:24-27). Romanos fala da sexualidade humana usando “macho” (ἄρσην, 1:27) e “fêmea” (θῆλυς, Rm 1:26), uma clara referência à criação do homem como “macho e fêmea” (ἄρσην e θῆλυς, Gn 1:27).

[3] “Mudar o uso natural” e “abandonar o uso natural” podem ser expressões sinônimas, pois “mudar” nos versos 23 e 25 também admite o sentido de “abandonar o original”: “e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível […]” (Rm 1:23); “pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira […]”  (Rm 1:25).

[4] Romanos usa várias vezes a mesma expressão de reciprocidade, como, por ex., em “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros” (Rm 12:10; cf. 12:16; 13:8; 14:13, 19; 15:7, 14; 16:16). A mesma expressão é usada por Jesus no novo mandamento “que vos ameis uns aos outros [ἀλλήλους]” Jo 15:12, 17.

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Posts da Série “A Bíblia e a Homossexualidade”

Apresentação
Parte 1: A Criação
Parte 2: Sodoma e Gomorra
Parte 3: Os Cananeus e a prostituição cultural
Parte 4: Jesus e a Homossexualidade
Parte 5: Idolatria e ritos orgíacos (Rm 1:26-27)
Parte 6: Prostituição Masculina e Devassidão (1 Co 6:9 e 1 Tm 1:10)

Parte 7: Ciência, genética, psicologia e conclusão

 

Fonte: Reação Adventista

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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