Cubano alerta adventistas sobre o regime comunista em Cuba: “É um sistema diabólico”

Em face aos protestos que milhares de cubanos fizeram pelas ruas de Cuba, no dia 11 de julho, contra o autoritarismo do governo socialista, vários adventistas brasileiros que simpatizam com o socialismo manifestaram apoio ao regime nas redes sociais. O perfil da revista adventista progressista Zelota, por exemplo, publicou o seguinte:

Já o perfil “Adventistas Progressistas” postou:

Nestes dois exemplos, três pontos chamam a atenção: (1) a exaltação do regime socialista cubano como uma democracia, (2) a inexistência de qualquer menção ao autoritarismo histórico desse regime e (3) o uso dos EUA como cortina de fumaça para desviar o foco das atrocidades do sistema comunista em Cuba. Esse tipo de defesa enoja. Em especial quando pensamos no que os adventistas sofreram, sob o regime socialista cubano, ao longo da história.

Pensando nisso, resolvi trazer nesse texto o alerta de Argelio Rosabal Sotomayor, um cubano de família adventista que testemunhou a opressão do regime comunista de Cuba aos adventistas durante as décadas. Pude trocar algumas palavras com ele pelo messenger e ele me autorizou a divulgar seus apelos a respeito do regime comunista. Além da conversa com Argelio, também exporei, de modo muito resumido, alguns fatos a respeito da perseguição do regime socialista cubano aos adventistas no decorrer das décadas. Espero, com isso, levar à reflexão os adventistas que possuem alguma simpatia para com o comunismo, mas ainda não conhecem muito sobre o tema.

Um apontamento prévio

Antes de continuar esse texto, preciso fazer um apontamento prévio: quem acompanha o Reação Adventista desde seu início, em meados de 2016, já deve ter reparado que ao longo do tempo nós fomos reduzindo o nosso número de posts relacionados a socialismo e marxismo. Há pelo menos três razões para isso. Primeira: discutir assuntos que se relacionam mais à política cansa. Então, era natural que o número de posts sobre isso se reduzisse.

Segunda: a origem do Reação sempre esteve ligada ao desejo de produzir teologia de qualidade. Então, falar de política nunca foi um fim em si mesmo. Na verdade, falar de temas mais políticos é a parte chata de nosso trabalho. É a parte que precisa ser feita toda vez que a política afeta a teologia das pessoas. Mas vontade, vontade mesmo, nós temos é de falar das questões mais diretamente teológicas.

Terceira: depois que Bolsonaro ganhou as eleições no Brasil, a polarização aumentou muito. E isso levou algumas pessoas a identificarem nosso blog como bolsonarista pelo simples fato de falarmos contra o socialismo e o marxismo. Na cabeça de alguns, falar contra o socialismo enquanto somos governados por Bolsonaro é ser bolsonarista. Como nosso objetivo principal é oferecer teologia de qualidade, seria uma desgraça ficarmos com uma falsa fama de blog político pró-governo. Assim, esse foi também um fator que nos desmotivou a falar de temas mais políticos.

Entretanto, há momentos em que a necessidade fala mais alto. A publicação clara e explícita de algumas páginas autodenominadas adventistas em favor de um sistema ditatorial e antirreligioso nos obriga a escrever algo a respeito.

O alerta de Argelio Rosabal

Com o mesmo nome de seu pai, o cubano Argelio Rosabal Sotomayor se considera um contrarrevolucionário hoje. Ele conta que seu pai, um camponês adventista, ajudou a proteger um grupo de revolucionários ligados a Che Guevara e Fidel Castro quando o país ainda vivia sob a ditadura militar de Fulgênio Batista (que durou até 1959). Este fato foi recentemente usado por alguns adventistas de esquerda aqui no Brasil como uma forma exaltar a revolução cubana, fazer de Argélio Rosabal uma espécie de herói adventista-comunista e defender algum tipo de conciliação entre o adventismo e o socialismo.

Entretanto, o filho homônimo de Argélio afirma que isso é uma grande distorção. Morando hoje na Espanha ele conta, em uma postagem no seu perfil do Facebook:

Note que para Argelio, seu pai, quando ajudou os revolucionários, não tinha ideia dos propósitos sanguinários dos mesmos. Contatando Argelio pelo messenger do Facebook, pude conversar um pouco com ele. Ele reforça que o pai jamais foi comunista e faz alguns alertas aos que usam a imagem de seu pai como ícone comunista-adventista. Veja:

Destaca-se, na fala de Argelio, a sua percepção de que o adventismo e a ditadura castrocomunista nunca se deram bem. Obviamente, não por culpa dos adventistas, mas sim do regime. Também é digno de nota a ênfase de que seu pai ajudou a proteger os revolucionários apenas por sua consciência cristã. Argelio volta a esse tema em seu apelo final. Veja:

Em suma, o pai de Argélio não foi um herói comunista-adventista. Ele foi apenas um bom cristão que quis proteger homens que, à época, estavam sendo perseguidos por outra ditadura (a de Batista). Aliás, isso é algo que muito cristão progressista tem dificuldade de entender: não é necessário a um cristão aderir a alguma ideologia política (ou teologia politizada) para ter consciência, amar o próximo e buscar o bem de todos. Basta ser um cristão que leva a Bíblia a sério. Argélio finaliza:

Os alertas de Argélio já possuem um grande peso. Mas podemos falar um pouco mais sobre as atrocidades que o regime comunista operou contra os adventistas. Tudo o que veremos agora é muito bem documentado.

O socialismo cubano e os adventistas

Após a revolução cubana de Fidel Castro e Che Guevara, começou um período de perseguição religiosa que afetou os adventistas. Um deles foi Humberto Noble Alexander, um mecânico, pregador adventista leigo, foi um preso político do regime de Fidel Castro. Alexander foi preso com 28 anos, por dois agentes cubanos armados, depois de pregar em um culto em fevereiro de 1962. Foi condenado a 20 anos de trabalho forçado. A falsa acusação: conspirar para assassinar Fidel Castro, ajudar na fuga de contrarrevolucionários, e distribuir o “ópio” ao povo de Cuba.[1]

Alexander sofreu tortura física e psicológica para confessar e delatar, dividindo cela com ratos, baratas e cobras. Apanhou tanto que nunca mais se livrou de um zumbido no ouvido. Ele sofreu intoxicação alimentar por comer mingau e peixe podre (comida vencida que vinha da URSS). Foi mergulhado em água gelada até perder a consciência. Foi eletrocutado e surrado com cabos elétricos até desmaiar. Ele carregava marcas de ferimentos de bala na mão, na perna e na coxa.

Por ser pego com uma Bíblia escondida, passou 90 dias dentro de um caixão onde ele mal conseguia se mexer. Ao ser pego com um “hinário” (hinos copiados em pequenas folhas de papel de cigarro), foi forçado a ficar 42 dias numa cabine com água pingando incessantemente em sua cabeça e pregos pontudos no chão. Por se recusar a trabalhar no sábado, passou 3 horas mergulhado numa fossa cheia de excrementos humanos.

Era considerado um “fanático religioso perigoso”, e passou um bom tempo na ala dos presos psicóticos assassinos e outros com distúrbios mentais. Passou dois anos em prisão solitária. Viu crianças prisioneiras com apenas 9 ou 10 anos.

Alexander foi um dos muitos prisioneiros políticos do regime de Castro que recusaram a “reeducação”. Segundo a Anistia Internacional, tais prisioneiros não tinham permissão de receber visitas familiares, correspondência, ou ajuda médica. Muitos morreram devido aos maus tratos, ou foram executados.

Alexander foi condenado a 20 anos. Mas após cumprir a pena, ele ainda ficou esquecido por mais 2 anos, 3 meses e 11 dias.

Quando foi preso, Alexander estava casado há 3 anos, e tinha um filho de 2 anos (que só voltou a ver quando ele tinha 24 anos. A esposa se divorciou dele e se casou com um oficial do exército cubano.

Após a intercessão do pastor norte-americano Jesse Jackson (que falou pessoalmente com Fidel Castro), Cuba deportou Alexander para os EUA em 1984, como um “gesto humanitário”. [2]

Seu primeiro sermão numa igreja adventista nos EUA, agora com 50 anos de idade, foi o mesmo que ele tinha pregado como um homem livre de 28 anos, antes de ser preso em Cuba. Alexander morreu em 2002, com 68 anos. Ele deixou tudo isso registrado no livro “I Will Die Free” (Eu morrerei livre).

Após a revolução em Cuba, os Adventistas do Sétimo Dia e as Testemunhas de Jeová foram dois dos principais grupos considerados reacionários e “contra-revolucionários”. Os adventistas, especialmente por questões relacionadas ao serviço militar e à educação, tiveram muitos problemas até o início dos anos 80.

A revolução criou campos de trabalho agrícola forçado chamados Unidades Militares de Auxílio à Produção (UMAPS). Qualquer pessoa considerada contrarrevolucionária, incluindo pastores, padres, estudantes de teologia, testemunhas de Jeová e adventistas do sétimo dia, eram enviadas aos UMAP’s (homossexuais também eram enviados para tais campos de concentração). Eram oficialmente campos de trabalho, mas serviam como lugar de castigo para quem era considerado uma ameaça à revolução.[3]

Muitas propriedades religiosas, inclusive escolas, foram confiscadas pela Revolução. Cristãos foram proibidos de fazerem parte do Partido Comunista Cubano. Apenas em 1992 a Constituição cubana foi alterada, mudando o estado cubano de ateísta para laico. Muitos pastores evangélicos e pregadores leigos foram aprisionados e torturados (inclusive adventistas).

Por muito tempo, os adventistas tiveram que praticar sua religião em particular, em lares e outras instalações privadas. Testemunhas de Jeová e Adventistas do Sétimo Dia, especialmente, sofriam maus-tratos e discriminação. Em 1988, o ativista dos direitos humanos Jesus Leyva Guerra foi preso e torturado com choques enquanto documentava casos de repressão religiosa contra os adventistas.

Hoje, a discriminação e o assédio estão reduzidos, e a IASD até mantém uma relação sem atritos com o governo. A perseguição aos cristãos em Cuba está em declínio, tendo sido muito pior no passado. O risco de mortes atualmente é considerado baixo, mas ainda existem muitas restrições.

Apesar das leis mais tolerantes, na prática existem sérias restrições à liberdade religiosa impostas pelo estado, sob a forma de fiscalizações e questões burocráticas: há dificuldades para o casamento religioso, para a importação e distribuição de Bíblias e outras literaturas cristãs (tudo é registrado e monitorado pelo governo) e para o ensino religioso.

Há severas restrições às reuniões, à evangelização nas ruas e à construção e reformas de igrejas (tudo precisa ser autorizado). Pastores ainda são detidos e presos, informantes ainda se infiltram nas igrejas, e templos ainda são fechados e demolidos. A “Oficina de Asuntos Religiosos del Comité Central de Partido Comunista de Cuba” é o órgão do governo que regula as atividades religiosas, interferindo até no que pode ou não ser pregado. Muitas igrejas devem submeter todo o plano de atividades religiosas ao Partido Comunista e esperar a sua aprovação (que pode não sair nunca, tornando a igreja ilegal).

O relatório 2015 do Christian Solidarity Worldwide revelou que as violações à liberdade de religião em Cuba aumentaram dez vezes em 2015, em comparação a 2014: o governo de Cuba prometeu fechar 2 mil templos da Assembleia de Deus, e demolir pelo menos uma centena de templos. Metodistas e batistas foram ameaçadas de confisco de suas propriedades.[4]

Um trecho do relatório afirma que:

“Os líderes religiosos de todos os credos religiosos tendem a concordar que os Adventistas do Sétimo Dia e as Testemunhas de Jeová enfrentam problemas específicos. Os alunos destes dois grupos religiosos são muitas vezes apontados como ridículos e sofrem assédio por parte dos professores e outros alunos por se recusarem a participar de determinadas atividades patrióticas obrigatórias ou outras atividades no sábado. Muitos têm sido impedidos de entrarem na universidade, e alguns que foram admitidos relataram ter sido suspensos das instituições mais tarde. Os Adventistas também enfrentam particulares dificuldades de instituições acadêmicas e no trabalho por causa de sua recusa em trabalhar no sábado, que eles consideram ser um dia sagrado.”

Mesmo com a progressiva abertura, ainda há uma sutil perseguição religiosa em Cuba.[5]

Considerações Finais

Diante de tudo isso, podemos concluir que um cristão adventista que se preocupa com os direitos humanos, a liberdade religiosa e a liberdade de expressão deve pensar melhor antes de tecer elogios à revolução cubana e sua ideologia. Há um histórico, cicatrizes, lembranças vivas e muitas vítimas (inclusive ainda hoje). Termino citando um amigo que segue o trabalho do Reação Adventista. Suas palavras, bastante sarcásticas e irônicas, sintetizam bem o tema:

“Se jovens cristãos camponeses foram maltratados e torturados nas UMAPs, culpe o embargo. Se o Humberto Noble Alexander ficou mais de 20 anos preso, sendo torturado, culpe o embargo (mesmo que você viva gritando que ‘vidas negras importam’). Aliás, Noble Alexander deve ter sido tão manipulado pelo imperialismo estadunidense que simulou cicatrizes e morreu mais cedo apenas para dar veracidade à narrativa imperialista! Igrejas adventistas foram incendiadas? Culpe o embargo. Colégios cristãos foram tomados? Culpe o embargo. Alunos e missionários estrangeiros foram expulsos do país? Culpe o embargo. Pessoas torturadas nas UMAP’s enlouqueceram e se suicidaram? Culpe o embargo. Sobreviventes publicam artigos e livros denunciando? Culpa do embargo. Alguns desses sobreviventes são camponeses irmãos de fé? Não importa. Estão mentindo a serviço do imperialismo. A propaganda do governo jamais mente.

“‘Fuzilamos e seguimos fuzilando!’ em plena ONU?[6] Isso é resultado do embargo. Livros adventistas foram censurados? Coisa do embargo. Os pastores adventistas Manuel Molina, Charles Vento e José Cortés sofreram nas UMAP’s? A culpa é do embargo. As famílias adventistas desses ex-detentos das UMAP’s continuam afirmando que eles foram vítimas da ditadura? Não sabem o que dizem, por causa do embargo. A família adventista Rosabal (que socorreu Che Guevara) perdeu a casa, foi agredida e teve 2 presos injustamente? O embargo fez isso. Os milhares de cubanos exilados em vários países dizem que aquilo é uma ditadura? Eles não sabem de nada, por causa do embargo. A comunidade cubana da Flórida diz que é uma ditadura? Eles não entendem tanto de Cuba quanto um universitário brasileiro! E o embargo é o culpado.

“Mas lembre-se: nunca foi uma ditadura, ok? É apenas uma narrativa imperialista ‘estadunidense’, e quem não concorda vive no mundo da lua. A ironia deste texto é para destacar que a defesa da ditadura cubana é a ‘nova roupa invisível do rei’: só os inteligentes conseguem ver. Nós, ignorantes, só conseguimos ver o rei nu.


[1] <http://documents.adventistarchives.org/Periodicals/RV/RV19861101-V08-09.pdf?fbclid=IwAR0_GOLyUDmwJz1Ulx8AyRCBRQXgfvSYhy6_KstzHBix1wD1JwH81cWhw6k >

[2] https://www.washingtonpost.com/archive/politics/1984/06/29/arrival/cd7733bb-3127-4823-bec0-488f93af39bb/?fbclid=IwAR2ltbs9kFvkVg5iv8TWPjjcYa91WTeyS3-5Iq2DIXUMkA75v3_B7N7RPxQ&utm_term=.6d1690004b0b >

[3] < https://manuelzayas.files.wordpress.com/2013/05/pdf_umap.pdf >

[4] < http://www.csw.org.uk/2014/09/01/report/2288/article.htm?fbclid=IwAR3s56Yvzq8oZ3272dCsNoDgVhu9PjJBLERX5TKTFVN-BOTg_bbBTywWMGs >

[5] https://www.portasabertas.org.br/categoria/noticias/a-perseguicao-sutil-de-cuba

[6] Referência à fala de Che Guevara na ONU. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=QY8nYTqw4Ow >

Por Davi Caldas

Fonte: Reação Adventista

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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