Entre Macedos e Vieiras: a falta que uma boa teologia faz

Nos últimos dias assisti a dois vídeos curtos que ilustram bem como falsos pressupostos podem gerar teologias gravemente distorcidas. O primeiro traz uma fala do pastor progressista Henrique Vieira, abertamente socialista e ligado ao PSOL. O segundo traz uma fala do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus e um dos pioneiros da teologia da prosperidade no Brasil. Transcrevo as duas falas e depois faço alguns apontamentos.

– Henrique Vieira:

“Do ponto de vista histórico e geográfico, de fato ele é negro, foi negro. O embranquecimento de Jesus não foi só da pele. Foi do evangelho. Tem um amigo meu chamado Ronilço Pacheco que ele diz a bíblia um livro negro de interpretação branca eurocêntrica. Então assim o embranquecimento não é só epidérmico é ideológico. É você massacrar a origem popular e oprimida do evangelho. Aqueles quatro evangelhos ali estamos falando de textos populares que circulavam na periferia, que vem do povão. Então isso historicamente está associado acúmulo de riquezas, luxo, projetos empreendedores colonizadores? Não tem nada a ver. Então, resgatar a negritude de Jesus é colocar o evangelho em maior coerência com a sua origem.

Quando Jesus nasce, diz lá o texto bíblico que o Herodes, preocupado com a possibilidade uma subversão popular – o messianismo era essa idéia de que do povo vai nascer uma revolução – o que ele mandou fazer? Mandou matar os meninos de 0 a 2 anos. De 0 a 2 já era. Ou seja, Jesus sobreviveu a um genocídio operado pelo estado. Quem é que morre hoje nesse país? Princípalm… Por isso que eu estou falando que a relação é mais do que epidérmica, é existencial. Jesus sobreviveu a um massacre operado pelo estado. E onde ele sobreviveu? Para onde José e Maria o levaram? Para a África. Para o Egito. Então ainda bem – mais um tema da atualidade – ainda bem que a fronteira estava aberta. Se a fronteira tivesse sido fechada, eu não saberia quem é Jesus. Mas ainda bem que houve uma imigração acolhida por um outro povo. Entende?

E o corpo de Jesus também quando adulto foi aquele corpo selecionado. Porque o racismo faz isso. Ele inverte um princípio da democracia. Você é culpado até que se prove o contrário. O negro tem que provar a sua qualidade, sua bondade, a sua competência, que ele não é culpado. E Jesus foi um corpo assim vigiado, perseguido, monitorado, difamado, tanto é que ele não morreu quentinho numa cama. Foi preso, torturado e assassinado. Só que a esperança era tão grande que o povão disse: “Ele ressuscitou. Tá vivo, venceu tudo isso”. Estão, Gabi, resgatar negritude de Jesus é resgatar o sentido mais amoroso do evangelho. Não é o sentido anti branco, não. É o sentido da reparação que vence o racismo para a gente celebrar uma verdadeira igualdade, o que ainda não é verdade”.

– Edir Macedo:

“Você não leva a mal não, mas eu vou falar para vocês uma coisa que é forte, que precisa vocês saber (sic): quando nós fomos para fora, lá nos EUA, elas, as duas, eu falei: vocês vão fazer o High School, que é apenas o Ensino Médio, vocês não vão fazer faculdade. A Ester me apoiou. Mas os parentes achavam um absurdo: ‘Por que é que vocês não vão fazer faculdade?’. Porque se você se formar numa determinada profissão, você vai servir a si mesmo, você vai trabalhar para si. Mas eu não quero isso. Vocês vieram para servir a Deus. Eu quero que vocês sirvam a Deus. Entendeu o que eu estou falando?

Não estou contra você estudar e se formar não. Mas no caso delas, eu não as criei para servirem a si mesmas. Eu as criei para servir ao Senhor. Então, não, você vai fazer até o Ensino Médio. Depois, se você quiser fazer a faculdade, você que sabe. Mas até o seu casamento você vai ser apenas uma pessoa de ensino médio. Porque se… deixa eu falar pra você… se a Cristiane – vem cá Cristiane – se ela fosse, presta a atenção, na minha visão, se ela fosse doutora e tivesse um grau de conhecimento elevado, e encontrasse um rapaz que tivesse um grau de conhecimento baixo, ele não seria o cabeça. Ela seria cabeça. Não é isso? E se ela fosse cabeça não serviria à vontade de Deus.

A Ester falava para mim assim: ‘Não, eu quero que as minhas filhas casem com americanos que são corteses, são educados’. É porque eu era um grosso. Era não. ‘Eu tenho certeza que se casar com um americano, eles vão abrir a porta do carro’. Eu falei: ‘Não, eu quero que minhas filhas casem com um macho’. Homem é que tem que ser cabeça. Eles têm que ser cabeça. Porque se não forem cabeça, o casamento deles estará fadado ao fracasso.

Mas não é isso que se ensina hoje. O que se ensina é o seguinte: ‘Minha filha, você nunca vai estar sujeita a homem’. Você não vai ficar sujeita a homem. Tá bom, então vai ficar sujeita à infelicidade. Porque não existe família, não existe casamento, não existe felicidade, a mulher cabeça e o homem corpo. É fracasso. Tanto é que… devem ter mulheres aqui que sabem do que eu estou falando: tem mulheres inteligentíssimas que não conseguem encontrar um cabeça. Verdade? Sim ou não? Sim ou não? Gente… Porque como é que uma pessoa que tem uma cabeça lá em cima, uma pessoa assim, vai se submeter a uma pessoa que está aqui?”.

Analisando as falas

(1) Henrique Viera

A fala de Vieira se dá num contexto de uma roda de conversa no programa “Saia Justa”, da GNT. Vieira constrói seu discurso respondendo qual seria a importância de reconhecer que Jesus era negro. Obviamente, se Vieira fosse se guiar apenas pela Bíblia, ele teria de responder: “Nenhuma importância”. A Bíblia não apenas não se preocupa em descrever se Jesus era branco, pardo, moreno ou negro, como afirma repetidas vezes que Deus não faz acepção de pessoas (Dt 10:17 e 16:19; II Cr 19:7; Jó 13:8-10, 32:21 e 34:19; Ml 2:9). As palavras de Paulo, em Gálatas 3, não poderiam ser mais claras quanto à irrelevância das diferenças físicas e exteriores do ser humano no que tange à vida espiritual:

“Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gl 3:26-29).

Mas Vieira não crê numa teologia formada por conceitos como Sola Scriptura, Tota Scriptura, suficiência da Bíblia, Bíblia interpretando a si mesma, etc. Ele crê sim numa teologia identitária. Nesse tipo de teologia, a Bíblia deve ser interpretada à luz não de seus contextos imediatos e originais, mas de pautas culturais e sociais da atualidade, sob a influência da cosmovisão de movimentos também atuais que trabalham essas pautas à sua maneira (independente de serem cristãos ou não). No caso de Vieira, a pauta que mais o mobiliza é a do racismo contra negros, sob a influência de movimentos negros secularistas e, geralmente, de esquerda.

Dentro desse arranjo teológico identitário de teólogos como Vieira, é importante que Jesus não só seja negro, mas que encarne toda a luta dos negros nos últimos quatro séculos. É uma forma de dizer que o negro sofre desde a época de Jesus e que o próprio Jesus estaria “no time dos negros”. O que é curioso é que provavelmente a maioria dos brancos racistas dos séculos anteriores fazia mais ou menos a mesma coisa: tentava colocar Jesus “no time dos brancos”. Na luta racista entre brancos e negros, quem consegue pôr Jesus no seu time sai ganhando em termos de discurso.

Mas é claro: dizer isso claramente tiraria toda a beleza do discurso. E provavelmente o próprio Vieira não poderia conviver bem reconhecendo que luta contra o racismo com um modus operandi utilizado por racistas. Daí a necessidade de enxergar na questão algo mais que a cor de pele. É preciso espiritualizar o “ser negro”. Ser negro não consistiria apenas em ter a pele preta, mas em ser pobre e oprimido. Note como Vieira cria essa sinonímia: ele diz que “o embranquecimento não é só epidérmico é ideológico”, pois massacra “a origem popular e oprimida do evangelho”, que tem origem em “textos populares que circulavam na periferia, que vem do povão”.

Ou seja, Jesus e os primeiros cristãos eram “negros” na pele e no sentido de serem pobres e oprimidos. E esquecer essa origem pobre e oprimida seria “embranquecer o evangelho”. Logo, quem não é pobre e oprimido, não é negro, mas branco. Esse tipo de sinonímia cria a sensação, em quem ouve, de que Jesus foi vítima da guerra racial entre negros e brancos. E ao que parece, é exatamente essa a sensação que Vieira deseja gerar em quem ouve. Note a relação que ele faz: “E o corpo de Jesus também quando adulto foi aquele corpo selecionado. Porque o racismo faz isso. Ele inverte um princípio da democracia. Você é culpado até que se prove o contrário”. Ou seja, Jesus sofreu racismo. Vieira pode, claro, negar que ele realmente quis dizer isso. Mas aí está o mal da maioria dos teólogos progressistas: eles se expressam de maneira dúbia. A meu ver, isso é feito propositalmente, a fim de que suas palavras sejam mais palatáveis para quem ainda não é (totalmente) progressista.

A tentativa de Vieira de criar sinonímia entre “ser negro” e “ser pobre e oprimido”, e misturar a história de Jesus com a luta racial entre negros e brancos, é uma distorção não apenas teológica e histórica, mas lógica. Note: mesmo que os judeus realmente fossem negros no primeiro século, isso se aplicava aos judeus pobres e ricos, leigos e rabinos. Logo, os rabinos que condenaram Jesus também eram negros. Em suma, não faz muito sentido tentar enquadrar o negro como oprimido no contexto judaico do primeiro século, nem colocar Jesus como vítima de racismo, já que ele foi entregue aos romanos por pessoas de sua própria etnia. Se os judeus eram negros, havia negros oprimidos e opressores, ricos e pobres, assassinos e assassinados.

Outro ponto problemático no discurso de Vieira é que ele gera a impressão que o evangelho veio apenas para os pobres e circulou apenas entre os pobres. Ora, é óbvio que o evangelho alcançou, em especial, os pobres. Afinal, sempre existiram mais pobres do que ricos. No entanto, Jesus pregou para pobres e ricos. Os publicanos (cobradores de impostos), por exemplo, eram ricos. E Jesus pregava para eles, comia com eles e chamou um deles para ser discípulo (Mt 9:11, 10:3, 11:19, 21:31-32; Mc 2:16; Lc 5:29-30, 7:29-34, 18:9-13, 19:1-5). Ele também pregou para e comeu com mestres da Lei abastados (Lc 7:36-50; Jo 3:1-10, 7:50, 19:39). Mulheres com boa saúde financeira sustentavam o ministério de Jesus (Lc 8:1-3).

Não se deve esquecer ainda que o evangelho fazia parte da fé judaica. E na fé judaica há exemplos de grandes homens de Deus que também foram muito ricos (Jó 1:1-10 e 42:10-17; Gn 13:1-11). Além do mais, se os judeus eram realmente negros no passado, esses homens muito ricos foram negros também. Isso dificulta um pouco a narrativa que associa “negritude” à pobreza.

A questão mais séria no discurso de Vieira, no entanto, é a implicação final de sua interpretação guiada pelas pautas sociais da atualidade. Para ele, parece ser mais importante “resgatar a negritude de Jesus” do que dizer claramente que Jesus ressuscitou literalmente. Note o que ele diz:

“O negro tem que provar a sua qualidade, sua bondade, a sua competência, que ele não é culpado. E Jesus foi um corpo assim vigiado, perseguido, monitorado, difamado, tanto é que ele não morreu quentinho numa cama. Foi preso, torturado e assassinado. Só que a esperança era tão grande que o povão disse: ‘Ele ressuscitou. Tá vivo, venceu tudo isso’. Estão, Gabi, resgatar negritude de Jesus é resgatar o sentido mais amoroso do evangelho. Não é o sentido anti branco, não. É o sentido da reparação que vence o racismo para a gente celebrar uma verdadeira igualdade, o que ainda não é verdade”.

Percebe a dubiedade? Vieira não diz que Jesus ressuscitou. Ele diz que a esperança do povo em Jesus era muito grande e que isso os levou a dizer que ele ressuscitou. A frase de Vieira não parece indicar que ele crê na ressurreição literal de Jesus. Ele pode até dizer em algum outro momento que crê, mas a frase em si dá outra impressão. Vieira usa um fraseado típico de teólogos liberais, que no geral não creem na ressurreição literal de Jesus. Em suma, creia ou não na ressurreição literal de Jesus, Vieira se mostra mais preocupado com pautas sociais do que com a ênfase nos pilares da fé cristã. O problema, obviamente, não é se preocupar com o racismo. É obrigação do cristão amar o próximo, ser contra a injustiça e não fazer acepção de pessoas. Logo, o cristão deve lutar contra o racismo. Não obstante, nenhuma pauta social deve se sobrepor aos pilares da fé. Quando isso acontece, o cristão se torna mero humanista. E para ser humanista, não é preciso sequer crer em Deus.

Vieira também é dúbio ao dizer que “o messianismo era essa idéia de que do povo vai nascer uma revolução”. Na verdade, o messianismo, no contexto do primeiro século, era a expectativa de que o Rei-Ungido prometido pelos profetas antigos viria libertar todos os judeus (ricos e pobres) do jugo de seus inimigos. Nessa época, os inimigos eram os romanos. O foco do messianismo, portanto, não era povo e na revolução popular, como se estivesse nas mãos dos próprios judeus a redenção. O foco do messianismo era a vinda do Messias. Ele era o líder. E ele não era o líder dos pobres, mas de todos. Além do mais, o Messias seria o rei. Esperava-se uma ascensão terrena ao trono. A visão está bem distante de uma revolução proletária, por exemplo, onde os trabalhadores pobres se levantariam contra a burguesia.

Qual das duas definições Vieira queria que o ouvinte apreendesse? Provavelmente, não a primeira. Afinal seu discurso é totalmente voltado para as pautas sociais da atualidade, não para a compreensão do contexto judaico do primeiro século.

(2) Edir Macedo

A fala de Macedo parece se dar num contexto de pregação sobre princípios para um bom casamento e felicidade na família. Macedo pretende sustentar a tese de que uma mulher com mais conhecimento acadêmico que seu marido (e, por conseguinte, status acadêmico superior) acabará se tornando cabeça do matrimônio, o que seria antibíblico e, portanto, fadado ao fracasso. Ele também argumenta que se suas filhas fizessem faculdade, iriam trabalhar para elas mesmas, não para o Senhor.

Trata-se de um discurso extremamente confuso. Para começar, Macedo define como cabeça do matrimônio aquele que possui maior conhecimento acadêmico. O problema é que a Bíblia simplesmente não faz essa relação. Na Bíblia, Deus institui o homem como cabeça no sentido de ser protetor. Paulo vai dizer que o homem deveria cuidar de sua esposa como cuidava do próprio corpo e morrer por ela se preciso fosse, tal como Cristo morreu pela Igreja (Ef 5:25-30). Pedro dirá que o homem não deveria afligir a esposa, mas tratá-la como vaso mais frágil (I Pd 3:7) – uma óbvia alusão à maior fragilidade física e sensibilidade emocional da mulher em relação ao homem. Fato interessante também é que apesar de Eva ter sido a primeira a pecar, Adão é posto aquele por meio de quem entrou o pecado no mundo (Rm 5:12-19).

Em suma, o homem é o cabeça no sentido de que sobre ele recai a responsabilidade principal de proteger, garantir a subsistência, ser o braço forte, tomar a iniciativa em questões difíceis, dar solução ao que aflige sua família. E isso parece ser algo que as mulheres admiram. O arquétipo do “homem banana”, como diz minha esposa, não é atrativo para a maioria das mulheres. Mesmo as mulheres não religiosas, em geral querem um homem que demonstre iniciativa, segurança, poder de decisão, inteligência e frieza para resolver problemas graves, autoridade, etc.

Isso não quer dizer que mulheres não podem ter essas características. Mas, pelo menos do que já ouvi de muitas delas, é cansativo “vestir as calças da relação” e não ter nunca um braço forte para fazê-las descansar de sempre ser líderes. Aparentemente, quando a cultura ou as circunstâncias não impõem às mulheres essa liderança dentro da própria família, a maioria delas prefere ser conduzida por um bom marido. Essa condução não exclui (nem deve excluir) o diálogo e a tomada de decisões conjuntas. Mas ao marido cabe o dever de não jogar o fardo sobre a esposa.

Uma vez que ser cabeça é ser esse protetor, cai por terra a noção de que a mulher não poderia ter maior grau de instrução acadêmica. Não é preciso ter formação acadêmica para ser um homem seguro, com iniciativa e protetor. Da mesma forma, ter formação acadêmica não garante a capacidade de conduzir um matrimônio.

Um segundo ponto de confusão diz respeito à ideia de que fazer uma faculdade levaria suas filhas a trabalharem para si mesmas, não para o Senhor. Aqui precisamos nos perguntar em que sentido exatamente Macedo queria que suas filhas trabalhassem para o Senhor. Em um sentido absoluto, trabalhar para Deus é ser pastor ou missionário em tempo integral, não possuindo outro meio de subsistência. Em um sentido relativo, trabalhar para Deus é fazer uso de nossos dons e habilidades profissionais para ajudar na obra de Cristo, mesmo não sendo pastor ou missionário em tempo integral. Em suma, é possível trabalhar para Deus mesmo tendo um trabalho secular para subsistência.

Qual é o sentido que Macedo tinha em mente. Se era o primeiro – trabalho integral para Deus –, ele deveria ter enviado suas filhas para uma boa faculdade de teologia ou seminário. Era sua obrigação, como pai e pastor, oferecer a elas o melhor em termos de aquisição de conhecimento teológico. Além disso, suas filhas também poderiam ter se engajado em estudos que corroborassem com o ensino teológico. Teologia se perfaz não apenas de exegese, hermenêutica, apologética e homilética, mas também do estudo da história, da arqueologia, da psicologia, etc. Macedo poderia ter incentivado suas filhas a serem mulheres com grande conhecimento teológico, o que seria de grande valor para a obra de Deus. No entanto, ao impedir as filhas de percorrer esse caminho, Macedo deixou a seguinte mensagem: para servir ao Senhor o estudo pouco importa. Não é uma surpresa, tendo em vista que o forte da Igreja Universal nunca foi produzir teólogos e obras teológicas de qualidade. 

Se o sentido que Macedo tinha em mente era o segundo – trabalhar para Deus mesmo tendo um ofício secular –, ele deveria ter deixado suas filhas escolherem aquilo que elas julgassem ser suas vocações e, então, aconselhado a como usar isso em prol da obra de Deus. A obra de Deus não precisa apenas de pastores e missionários em tempo integral, mas de médicos, enfermeiros, psicólogos, advogados, juízes, engenheiros, pedreiros, carpinteiros, pintores, motoristas, faxineiros, cozinheiros, padeiros, políticos, etc. É possível usar ser benção para o próximo, pregar o evangelho e ajudar na obra de Deus em cada uma dessas profissões. Ademais, é através desses e outros profissionais que pastores e missionários em tempo integral podem ser sustentados. Se todos quisessem ser pastores e missionários em tempo integral, ninguém poderia ser, já que não haveria quem os sustentasse. Macedo sabe bem disso.

Portanto, o que quer que Macedo imagine que significa “trabalhar para o Senhor”, sua atitude de privar as filhas da faculdade não faz o menor sentido. Curiosamente, ele vai tentar amenizar o peso de sua tese descabida dizendo: “Não estou contra você estudar e se formar não. Mas no caso delas, eu não as criei para servirem a si mesmas. Eu as criei para servir ao Senhor”. Ora, mas se Macedo conta essa história no púlpito, na prática ele está incentivando a todos a fazerem como ele. E uma vez que Macedo argumenta que o estudo pode trazer dificuldades para as mulheres na área do relacionamento, então sim, ele está se colocando contra o estudo na prática. É como se ele dissesse: “Vocês podem fazer isso, mas só vai trazer prejuízo. Por isso, para as minhas filhas, eu não quis”.

Os resultados desse tipo de pensamento são totalmente nefastos: desestimula mulheres ao estudo, desestimula pessoas que querem servir a Deus aos estudos e cria um espírito de exaltação da ignorância. Note: para Macedo, valia mais suas filhas não estudarem para terem chance de casar com alguém pouco instruído, do que estudarem e ficarem limitadas a homens mais instruídos. O ideal de homem para Macedo não inclui grande inteligência, nem cavalheirismo. Para ele, basta ser macho e não há problema em ter uma natureza grosseira.

O pensamento de Macedo, além de ser problemático, nos impede de perceber outra uma ligada à grau de conhecimento que nada tem a ver com gênero/sexo: geralmente as pessoas procuram parceiros que se interessam por assuntos em comum. Essa realidade explica porque dificilmente haverá interesse mútuo entre uma pessoa que tem muito conhecimento acadêmico e outra pessoa que não tem. Não se trata de preconceito, mas de pontos em comum. Quem estuda muito geralmente ama estudar e falar sobre isso. É natural que ela queira um parceiro que a acompanhe nessa rotina. Por outro lado, quem não estuda geralmente tem outros interesses, desejando naturalmente alguém que não fique o dia inteiro estudando e falando sobre esses assuntos.

Assim, se Macedo fosse um homem bíblico e um teólogo de verdade, seu conselho não seria para que as mulheres evitem a faculdade. Seria sim para que todos, homens e mulheres, se empenhassem em estudar. Assim haveria maiores possibilidades de casais formados entre pessoas estudiosas. Fosse mais do que um pastor preocupado com arrecadação de fundos, Macedo exaltaria o estudo e ensinaria que podemos servir ao Senhor com grande utilidade quando adquirimos conhecimento.

Considerações Finais

Vieira e Macedo estão em lados opostos do espectro teológico (se é que podemos dizer que eles estão no espectro teológico). A teologia de Vieira é uma instrumentalização do evangelho por ideologias secularistas como marxismo, feminismo, movimento LGBT e movimentos negros de orientação esquerdista. Sua pretensão não é resgatar o verdadeiro evangelho, mas roubar Jesus para as suas causas sociais e reinterpretar a Bíblia. Já a teologia de Macedo é uma instrumentalização do evangelho por uma visão pragmática, terrena e materialista de religião. Nesta visão, o estudo é supérfluo. O que importa acima de tudo é fazer aquilo que nos traz mais ganho (ou chance de ganho) em termos de dinheiro e casamento. Tudo se torna um negócio. E para garantir um bom negócio vale a pena até impedir as filhas de prosseguirem com os estudos.

Apesar de estarem em lados opostos, os dois líderes concordam em um ponto: a Bíblia só lhes serve de instrumento para defender suas pautas. Distorcendo o Santo Livro, um ganha a simpatia das pessoas para os movimentos políticos e as degenerações morais que defende, enquanto o outro desestimula o estudo e transforma sua congregação em mercado da fé.

Macedo e Vieira não são os únicos líderes com teologias problemáticas. Eles refletem grupos de líderes e leigos que tem se enveredado por falsos evangelhos. Isso nos deixa a seguinte reflexão: não é hora de darmos maior importância ao ensino teológico sério, bíblico, lógico e cristocêntrico? Não é hora de reconhecer que uma boa teologia faz falta, não apenas na teoria, mas na prática? Há gente se perdendo por não ter base para reconhecer o que é verdade e o que é mentira. Temos feito algo a esse respeito? Ainda não é tarde para fazer.

Por Davi Caldas

Fonte: Reação Adventista

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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