Dez princípios básicos para um debate construtivo

O debate construtivo de ideias é uma das ferramentas mais interessantes de aprendizado que existe. Quando somos impelidos a organizar nossas crenças e posições em forma de argumento e explicá-las ou analisar argumentações contrárias às nossas e respondê-las, nós ganhamos mais em conhecimento e poder de explicação. Um bom debate pode nos fazer mudar ideias erradas, gerar novos insights, fortalecer posições corretas, nos fazer estudar mais, desenvolver melhor nossas explicações e exercitar nossas capacidades de ensinar e aprender.

Infelizmente, o que se tem visto atualmente é um crescente número de pessoas que não possuem domínio das regras básicas de um debate construtivo. Não falo aqui sobre uma questão de inteligência e grande conhecimento. Falo sobre conhecer a estrutura básica do que é um debate de ideias. Tem mais a ver com princípios éticos e lógicos de uma boa comunicação do que propriamente com intelectualidade. O desrespeito a essas regras torna o debate infrutífero. Na verdade, descaracterizam o debate. Muitas vezes me deparei com discussões que simplesmente não poderiam mais ser chamadas de debates, mas de uma confusão grotesca de falatórios sem nexo e insultos mútuos. Algumas vezes, esse comportamento lastimável foi visto em comentários na nossa página no Facebook e aqui no blog.

Visando contribuir com a manutenção de debates de verdade, nos quais seja possível aos dois (ou mais) lados entenderem um pouco mais sobre as ideias do oponente e usarem de argumentos legítimos, expomos aqui alguns princípios fundamentais para um debate construtivo de ideias. Garantimos que se eles forem seguidos, todos sairão ganhando. A não observação deles, contudo, gerará sempre confusão, o que está sujeito, em nossas páginas, à exclusão do “debatedor”.

Princípio 1: Leia o texto

Talvez esse seja o mais importante dos princípios. Não é possível comentar um texto e iniciar um debate sobre ele sem primeiro lê-lo todo e com atenção. O que tem ocorrido com muita frequência na internet é o início de debates a partir apenas do título do texto, ou dos primeiros parágrafos, ou de uma leitura apressada e superficial.

Não há mal em ler um texto superficialmente. A internet é um mar de informações e precisamos escolher a que daremos maior atenção. Contudo, para que se comente um conteúdo, neste caso sim, exige-se a leitura completa.

Apenas “passar os olhos” por um texto e em seguida iniciar um debate cria o grande risco de tiramos ideias de seus contextos, levantarmos argumentos que já são respondidos no texto, pressupormos coisas que o autor não disse, interpretarmos mal um ou mais trechos e não captarmos o sentido real do que foi escrito. E isso inviabiliza o debate.

Em suma, só comente e inicie um debate se o texto foi lido. Se não leu, não comente. Se a leitura foi parcial e você deseja muito debater sobre um ponto específico que leu, deixe isso claro em seu comentário. Diga explicitamente que só leu aquela parte e que o debate é apenas sobre isso. E se esse for o caso, esteja preparado para a possibilidade de seus questionamentos terem sido respondidos no decorrer no texto. Neste caso, você deverá ser humilde e se retirar do debate até que tenha completado a leitura.

Princípio 2: Atenha-se ao assunto do texto

A quebra desse princípio é muito comum. Em geral, a motivação é emocional. Lemos algo que não concordamos. Resolvemos comentar e, em vez de focar nos erros do texto, começamos a atacar outras coisas. Exemplo: o texto defende a guarda do sábado e eu não sou sabatista. Mas em vez de mostrar quais são os erros dos argumentos apresentados no texto em favor do sábado, eu começo a criticar os adventistas, Ellen White, a crença na mortalidade da alma, um adventista conhecido meu que dá um mal exemplo, etc. Isso é fugir do assunto. Não há problema em ter essas opiniões, mas se o texto não fala sobre isso, eu devo me ater ao assunto do texto.

Recentemente, publicamos um artigo grande intitulado “Homo spiritualis e as religiões políticas”, que fala contra movimentos seculares de redenção. Um leitor discordou do texto e, no seu primeiro comentário, fez uma crítica ao capitalismo e à direita. Ele tem todo o direito de ser contrário ao capitalismo e à direita. Entretanto, o artigo não fala nada sobre isso.

Essa ocorrência é facilmente explicada: o rapaz é simpatizante do socialismo marxista (apesar de cristão). Ao ver sua ideologia sendo criticada juntamente com outras, ficou irritado e passou a se guiar pelo seguinte raciocínio: “Quem critica o marxismo está defendendo o capitalismo e a direita. Então, vou atacar essas duas coisas”.

O pressuposto não só está errado (criticar o marxismo não é defender o capitalismo e a direita), como fere um princípio básico de debate. Sua obrigação como debatedor era se limitar a expor os argumentos do artigo dos quais ele discordava e explicar as razões. Foi tudo o que ele não fez durante a discussão inteira.

A observação desse princípio deve ocorrer não apenas no início de um debate, mas ao longo dele. É muito comum que alguém inicie uma discussão falando sobre um tema e acabe desviando totalmente o foco. Alguns, me parece, fazem isso propositalmente para dificultar a vida do oponente. Começam a levantar questionamentos diversos e deixar de lado a argumentação sobre os pontos abordados no texto. Por uma questão de honestidade e organização, o debate deve seguir uma linha específica e só desencadear outros temas após o texto ser dissecado e os debatedores, em comum acordo, desejarem avançar para outros assuntos afins.

Princípio 3: Não crie pressuposições, nem ataque espantalhos

Essa é uma extensão do segundo princípio. É possível fugir do assunto abordado no texto quando criamos pressuposições. Se fulano argumenta X, concluímos que ele crê em Y. Pode ser verdade, mas ele não disse isso no texto. Então, é fuga do assunto. E se a pressuposição estiver errada, temos um espantalho, isto é, um ataque a uma ideia que o autor não defende. Inviabiliza o debate.

Princípio 4: Responda cada questionamento

No decorrer de um debate, cada oponente fará questionamentos um ao outro. Desde que as questões tenham a ver com o assunto do texto, devem ser respondidas. É muito desagradável quando diversas perguntas são feitas por um dos debatedores e são ignoradas pelo outro. Responder o que foi perguntado é essencial para o bom andamento do debate é, ademais, é um ato de educação.

Princípio 5: Preste atenção ao argumento adversário

Também faz parte da boa educação prestar atenção aos argumentos do adversário. Isso evita, por exemplo, má interpretação e repetição de ideias. Os debatedores devem se esforçar para tentar ver as coisas como o adversário vê, a fim de tirar alguma conclusão à respeito. E as críticas só podem existir depois que realmente entendemos o que o outro disse e quis dizer. Não se pode criticar o que não se conhece.

Princípio 6: Certifique-se das definições de termos

Grande parte das discussões não chega a lugar nenhum porque os termos usados pelos debatedores possuem sentidos diferentes. E debater sobre algo que cada um define de uma forma, é debater sobre duas coisas diferentes achando que é sobre uma só. Um exemplo bobo: vamos discutir os benefícios da manga. Mas eu defino manga como uma fruta. Meu adversário define manga como uma parte da camisa. A mesma palavra, mas coisas completamente diferentes. Se um desconhece a definição do outro, não haverá um debate genuíno, mas uma enorme confusão.

Usando dois exemplos mais palpáveis: num debate sobre que tipo de modelo econômico é melhor, um lado define liberalismo como um sistema de exploração e consumismo; o outro pensa em liberalismo como um sistema de livre troca e baixa intervenção estatal. Não há como discutir qual sistema é melhor porque as definições são distintas. É como se houvesse duas discussões diferentes. Outro exemplo: discute-se sobre se religião é bom ou ruim. Mas um define religião como um sistema de crenças, enquanto outro define como legalismo, farisaísmo, tentativa de salvação pelas obras. Perceba que se estão discutindo coisas diferentes, mas com um mesmo termo.

Então, é importante que os oponentes definam bem o que cada termo significa no debate, a fim de discutirem a mesma coisa. É claro que o teor do debate pode ser justamente sobre as definições dos termos. Mas isso precisa ficar claro. Não se deve discutir ao mesmo tempo a definição dos termos e algum tema que prescinde dos termos já definidos. Isso certamente gerará confusão.

Princípio 7: Seja educado, lógico e prove suas alegações

A educação é fundamental para qualquer conversa. Atitudes simples como esperar o outro falar (ou escrever), não se utilizar de palavras obscenas, evitar xingamentos, ser enfático sem desrespeitar e procurar não se utilizar de deboches, ironias e sarcasmo, fazem parte do que entendemos como civilidade. Por mais que você discorde dos argumentos do adversário, deve procurar ser polido e tranquilo.

É óbvio que muitas vezes toparemos com pessoas desonestas e mal-educadas. A educação deve ser uma via de mão dupla e se isso não acontece, não temos a obrigação de sermos tão polidos. Quem age com deboche, pede deboche. Quem age com desprezo pede desprezo. Quem age com agressividade, pede agressividade. Ainda assim, é bastante dispensável, sobretudo para cristãos, o uso de baixarias.

Quanto a ser lógico, talvez você esteja pensando se isso não seria outro princípio. Em parte sim, em parte não. Incluí a lógica como mesmo princípio da educação porque faz parte da boa educação ser lógico em um debate. Quando chamamos alguém para uma discussão, estamos separando nosso tempo e esforço intelectual para aquela pessoa. E ela está fazendo o mesmo. A obrigação de ambos é raciocinarem de modo coerente, legítimo, organizado, apropriado.

Aqueles que escolhem debater de qualquer maneira, não estão honrando com o oponente, nem consigo mesmo, já que ferem a sua própria razão. Se você, portanto, pretende debater, certifique-se de que seus argumentos são lógicos e que sua pretensão é ser lógico durante todo o debate. Uma dica para se manter lógico é ter um conhecimento mínimo de falácias (falsos raciocínios), tais como falácia genética, apelo ao silêncio, ad hominen, etc. Uma pesquisa rápida no Google é suficiente.

Sobre provar as alegações, isso faz parte da lógica. É comum que pessoas comentem fazendo alegações contrárias ao texto, mas sem provarem. Alegações não são evidências por si só. Por mais óbvio que X seja para você, simplesmente bradar que X é verdadeiro não prova nada. Isso é irracional e mal-educado. Aprenda a argumentar sempre.

Princípio 8: Não use ad hominen

Ad hominen é uma das falácias mais utilizadas. Consiste em atacar o oponente ou o grupo do qual ele faz parte em vez de seus argumentos. Geralmente, quem se utiliza desse expediente possui muita raiva do grupo representado pelo oponente. Muitas vezes, essas pessoas fazem comentários unicamente ofendendo, dizendo que o texto, autor ou grupo representado é ridículo, desonesto, tolo, etc., mas sem fazerem nenhuma análise do que o texto está dizendo, nem propondo qualquer argumento. Ora, xingamento e histeria não provam verdade alguma. Estamos falando de debates, não de confrontos entre gorilas.

Princípio 9: Preocupe-se com a estética

Sem dúvida o conteúdo de um comentário ou texto é o mais importante. Contudo, a forma tem grande relevância também. Afinal, se você não escrever de maneira organizada e respeitando as regras básicas da gramática, dificultará a leitura de seu oponente. Não é preciso ser um expert da língua portuguesa e saber escrever como um profissional. Mas deve-se estar apegado a alguns fundamentos. Exemplos:

(A) Parágrafos não só possuem sua função de separar blocos de texto com maior relação entre si. Eles arejam a leitura. Não é estimulante ler uma parede de texto, ainda mais na internet. Quanto mais parágrafos seu texto ou comentário tiver, melhor.

(B) Pontos e vírgulas servem para expressar bem as ideias e dar entonação à leitura. Aprenda a usá-los.

(C) Não use CAPS LOCK durante todo o comentário ou texto. Dá um aspecto visual ruim e a impressão de que você está sendo agressivo.

(D) Procure escrever o máximo que pode em uma caixa de comentário só e não um pouco em cada caixa. Isso se chama flood e é ruim para a organização visual do debate.

(E) Tenha um bom domínio de vocabulário. É seu idioma. Espera-se que você o utilize bem. E isso facilita a leitura do oponente.

É evidente que nem todos tiveram condições apropriadas de estudo na infância ou na adolescência. O oponente deve ter a sensibilidade e educação de não apontar erros de português e organização nos comentários do outro debatedor. Sobretudo em se tratando de cristãos. Não deve o cristão envergonhar pessoas que não escrevem corretamente, mas sim ser amoroso e compassivo para com elas. Cabe, contudo, a cada um que se propõe a entrar em debates buscar se aprimorar na escrita, a fim de se fazer compreender e de dar exemplo positivo do uso de seu idioma.

Princípio 10: Deseje a verdade

O objetivo máximo de um debate não deve ser ganha-lo, mas sim descobrir a verdade. É claro que cada debatedor entra em uma discussão intelectual crendo estar certo. Mas é preciso estar aberto, no debate, à hipótese de estar errado. E se essa hipótese se confirmar, ter humildade para, a partir dali, estudar mais o assunto e aceitar os novos conhecimentos descobertos. Isso se chama honestidade intelectual e nenhum debate deve se iniciar sem que o apreço pela verdade seja o principal motivador dos dois ou mais oponentes. 

Conclusão

Esperamos sinceramente que esses princípios ou regras básicas sejam assimilados por todos os nossos leitores, sejam apoiadores ou críticos. O Reação Adventista foi criado para ser um local de debates saudáveis e de alto nível intelectual. Que possamos todos zelar para a manutenção desse cenário. Deus esteja conosco.

Por Davi Caldas

Fonte: Reação Adventista

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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