O Evangelho Síntese da Esquerda

Durante séculos, a autêntica e genuína mensagem do evangelho foi vítima de um processo que Herman Dooyweerd, filósofo e jurista cristão do século XX, nomeou de “Síntese”. Tal processo seria uma espécie de “sincretismo” filosófico entre elementos de um pensamento legitimamente cristão e pressupostos de uma visão de mundo pagã (ou simplesmente não cristã), corrompendo assim a pureza do evangelho. Em seu ensaio sobre “A ideia do Estado Cristão”, Dooyweerd identifica a influencia de pressupostos aristotélicos na maneira como o cristianismo, ao longo da história, pensou o estado e seu lugar na sociedade.

O esforço para promover um rompimento radical entre essas duas cosmovisões antagônicas foi empreendido por Dooyweerd, no texto já citado, em 1936. Propôs então aquilo que chamou de “Antítese”, com a intenção de desmistificar esse emaranhado de ideias. E assim, encontrar o modelo bíblico de estado.

Se outrora a manifestação da filosofia grega na mensagem do evangelho formou, dentro da igreja, uma visão nem um pouco cristã da natureza do Estado, em nossos dias, devemos dirigir nossas atenções a uma vertente de pensamento, nada teológica, que enxerga nas ideias de Cristo os mesmos ideais defendidos pelos progressistas da esquerda brasileira; forjando um Jesus socialista e revolucionário. Com isso, faço das de Dooyweerd as minhas palavras: “Se assim for, este é certamente o momento de constatarmos mais uma vez a antítese radical que separa a ideia cristã do Estado de todas as abordagens pagãs e humanistas” (Dooyweerd, 1936, Estado e Soberania p.43).

Vejo que, a teologia da libertação se manifesta inconscientemente em alguns discursos, fazendo de Cristo (nosso salvador) o primeiro socialista da história. O evangelho supostamente defenderia um estado distribuidor de riquezas e responsável por promover a igualdade tão almejada. Em textos como Lucas 3:11 “Quem tem duas túnicas, dê uma a quem não tem; quem tem o que comer faça o mesmo…” ou Mateus 19:21 “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” Jesus e João Batista estariam se posicionando em prol de um estado paternalista tal como idealizado pelo marxismo.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, muitos alegam que, algumas das políticas que pretendem reformar o código penal brasileiro ferem os princípios expostos por Cristo nos evangelhos. Uma vez que a intenção seria endurecer (ou enrijecer) as punições impostas pelo mesmo, tais medidas (redução da maioridade penal, o aumento das penas e a impossibilidade de redução das mesmas) hipoteticamente entrariam em oposição a ensinos explícitos como aqueles expressos no sermão da montanha:

“Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; […] Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus.” Mateus 5

Entretanto, é importante alegar que essas orientações encontradas nos evangelhos não são necessariamente “orientações a respeito de como o estado deve se configurar na sociedade”. Para esclarecer tal afirmação o exemplo da “vingança” é o melhor possível. Pois, é indiscutível que Jesus, no sermão do monte, nos ensinou a “pagar o mal com o bem”, ou seja, a não exercer qualquer tipo de vingança, e assim amar aqueles que nos fazem o mal. Contudo, quando Paulo descreve as funções do governo terreno diante de Deus, em Romanos 13, ele diz:

“Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal.” Romanos 13

Se as orientações de Jesus e João (as citadas acima) forem aplicáveis ao estado, e ao seu agir na sociedade, então o texto paulino e os evangelhos entram em contradição uma vez que Paulo atribui ao estado o dever de se vingar dos malfeitores. Não obstante, é absurdo pensar em uma possível contradição nesse caso, sendo claro que o próprio Paulo em Romanos 12 ensina o mesmo principio esboçado em Mateus 5: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor.” Então, o texto de Romanos é uma evidencia clara de que os princípios de Mateus 5 não são aplicáveis ao estado e ao seu agir na sociedade. Sendo assim, por que os textos de Lucas 3:11 e Mateus 19:21 seriam?

Uma contribuição da teologia reformada nos auxilia de forma significativa na compreensão dos textos citados. A teoria da “Soberania das Esferas”, sistematizada pelo teólogo e estadista holandês Abraham Kuyper, propôs traçar uma modelo de sociedade harmônico com os ensinos bíblicos. Embora tenha sido desenvolvida pela corrente teológica neocalvinista, Herman Dooyweerd, que muitas vezes é apresentado como o sucessor de Kuyper, diz que a teoria não é necessariamente propriedade da tradição calvinista, uma vez que a mesma possui suas raízes nas escrituras.

A soberania das esferas apresenta a sociedade como sendo composta por várias esferas, sendo as principais (mas não as únicas) a família, a igreja, e o estado. Essas esferas são independentes umas das outras; cada uma tendo soberania sobre uma área da existência humana e recebendo de Deus funções e papeis diferentes dentro da sociedade. A partir dessa ótica, Cristo estaria (nesses textos) orientando o comportamento da Igreja. A igreja deve sim acolher os malfeitores (bandidos) e repartir os seus bens com os necessitados (assim como fez a igreja apostólica em Atos). Mas o Estado, diante de Deus, possui outras funções (Rm13; 1Pe 2:13). Portanto, esferas diferentes, funções e espaços diferentes na sociedade. Não podemos misturar as coisas. Devemos romper radicalmente com toda ideologia pagã que se manifesta na genuína mensagem do evangelho.

Cabe-nos reproduzir na integra o texto paulino que diz:

“Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo.” Colossenses 2:8

Por Edmundo Duarte

Fonte: Reação Adventista

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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